E Deus, família e voto foram a trilogia que animou a primeira semana de campanha oficial dos dois líderes da disputa pela Presidência da República no Brasil. Em segundo lugar nas pesquisas, o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, ao lado da primeira-dama Michelle Bolsonaro, focou, no Rio e em Juiz de Fora (MG), o eleitorado evangélico. Ambos acentuaram ser cristãos – Michelle chegou a dizer que o Planalto estava consagrado a "demônios".
O católico Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder da disputa, também recorreu à retórica religiosa. Em comício em Belo Horizonte (MG), abrandou o discurso de esquerda. Prometeu respeitar a Constituição – e a Bíblia. Ontem, sua campanha ensaiou um recuo, e as duas campanhas avaliavam os limites da tática.
Bolsonaro, por sua vez, falou em "paz no coração", "fé" e "amor" ao se dirigir aos desembargadores na cerimônia de instalação do Tribunal Regional Federal da 6.ª Região, no Palácio das Artes, na capital mineira. "Agradeço a Deus por essa oportunidade, pela minha segunda vida e pela missão de ser presidente da República."
<b>Espaço</b>
Com esse tom religioso, o presidente parece querer repetir 2018. Naquele ano, o apoio evangélico foi fundamental para a vitória sobre Fernando Haddad (PT). Bolsonaro também parece buscar uma zona de conforto, um espaço onde esteja com boa vantagem sobre Lula, que, segundo as mais recentes pesquisas, poderia vencê-lo no primeiro turno. No Datafolha de agosto, no eleitorado evangélico, o presidente ganha por 49% a 32%. Os números gerais são o inverso: 47% para o petista e 32% para o postulante do PL.
Aliados de Bolsonaro dizem que o discurso com forte tom religioso da largada da campanha não faz parte de estratégia previamente traçada. Mas está no DNA do candidato e continuará fazendo parte dos discursos, em especial de Michelle. A leitura na trincheira bolsonarista é que o nicho do eleitorado evangélico está consolidado.
Diferentemente do que Bolsonaro diz nas ruas, o foco da narrativa nas redes sociais e no horário eleitoral na TV deve ser a economia. O objetivo é ampliar o apoio ao presidente entre os mais pobres, com renda de até dois mínimos.
<b>Discurso</b>
Apesar das referências religiosas do discurso de Lula, sua campanha quer evitar entrar na "guerra santa" que diz estar sendo encampada por Bolsonaro. Aliados do petista avaliam que a batalha de acusações entre "quem é mais cristão" é uma provocação de Bolsonaro que atrapalha o discurso do PT, de mirar as mazelas econômicas.
O próprio Lula deu o tom do discurso, nesta sexta, 19, ao responder a perguntas de jornalistas no QG da campanha presidencial, em São Paulo. "Eu não quero ficar disputando o voto religioso porque não faz parte da minha cultura política estabelecer qualquer princípio de guerra santa numa política", declarou o ex-presidente.
Em busca de uma espécie de blindagem, Lula também tem citado duas leis aprovadas no seu governo: a da liberdade religiosa e a que criou o Dia Nacional da Marcha para Jesus. "Eu quero conversar com os eleitores brasileiros enquanto cidadãos brasileiros", disse.
<b>Pesquisas</b>
A pegada religiosa dos líderes da campanha presidencial não é coerente com as pesquisas de opinião. Pesquisa Genial/Quaest de agosto, por exemplo, apontou que, para 40% dos eleitores, o principal problema do Brasil é a economia e para 21%, são questões sociais (veja gráfico).
O cientista político José Álvaro Moisés, do Instituto de Estudos Avançados da USP, disse acreditar que a estratégia da "guerra santa" adotada pela campanha de Bolsonaro e espelhada pela de Lula "é de mau gosto e inadequada". Sobretudo, afirmou, ao combinar valores religiosos com política, "o que não é bom para a democracia". Em sua análise, trata-se de "apelo meio desesperado".
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>