Ninguém queria financiar o novo documentário de Sergei Loznitsa, The Natural History of Destruction (A História Natural da Destruição, na tradução livre do inglês). Como em alguns de seus últimos trabalhos, por exemplo <i>Funeral de Estado e Babi Yar. Context</i>, ele recorre a imagens de arquivo, desta vez para falar do bombardeamento feroz de cidades alemãs nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial. Foram três anos para realizar a obra. "Muitos perguntavam: Por que você quer fazer esse filme? Esse assunto está encerrado", afirmou Loznitsa em entrevista com a participação do <b>Estadão</b>, em Cannes, onde o documentário passa nas Sessões Especiais.
Aí a Rússia invadiu o país vizinho, a Ucrânia, onde Loznitsa, nascido em Belarus, foi criado. Imagens de civis sendo massacrados invadiram as salas de estar do mundo inteiro. "Nós fomos jogados de volta para 80 anos atrás. E percebemos que continuamos com as mesmas questões de então", comentou.
O cineasta se inspirou no ensaio Guerra Aérea e Literatura (On the Natural History of Destruction), do escritor alemão W. G. Sebald, dando o título americano do texto ao filme. O escritor examina a ausência do trauma dos bombardeios aéreos na Alemanha na literatura do país. "Quando o livro foi publicado em 1999, provocou discussão, mesmo saindo 55 anos após a Segunda Guerra", contou Loznitsa.
<b>Culpados</b>
Para ele, os alemães acham que foram culpados e mereceram. E os aliados consideram que os alemães foram culpados e mereceram. "Na verdade, foi um crime. Um crime contra a humanidade, contra a população civil."
Muita gente lhe disse que ele não entendia, pois estava examinando o assunto com olhos contemporâneos e que na época os bombardeios da Alemanha eram a coisa certa a fazer para acabar a guerra. "Mas aí eu vejo as imagens e há cadáveres e mais cadáveres sendo tirados dos escombros. Como achar que isso é certo?", questionou.
Loznitsa nunca foi de meias-palavras nem em seus filmes, como as ficções Minha Felicidade (2010) e Na Neblina (2012), nem em suas entrevistas. "Eu sinto que é meu dever falar dos problemas que existem não apenas na Ucrânia, mas nas nossas sociedades em geral", lembrou, brincando que adoraria fazer uma comédia. "Mas eu não falo pelo meu país, falo por mim. Pelo meu país, quem fala é o presidente, em quem eu votei e com quem concordo 100%. Ele está fazendo um bom trabalho, tentando unir as pessoas e não criar mais conflitos", completou, referindo-se a Volodmir Zelenski.
<b>Problemas</b>
Como não mede as palavras, Loznitsa se meteu em problemas desde o início da guerra, em fevereiro. Primeiramente, renunciou a sua filiação na Academia Europeia de Cinema, criticando a resposta que considerou fraca à invasão da Ucrânia pela Rússia de Vladimir Putin e o banimento do cinema russo da premiação anual. Semanas depois, foi expulso da Academia Ucraniana de Cinema, por defender os cineastas russos dissidentes, enquanto a organização defende um bloqueio total.
"Pasolini era comunista e gay. Os comunistas o odiavam por ser gay, e a comunidade LGBTQ+ o odiava por ser comunista. Quem fala o que pensa acaba ficando na linha de frente", disse. "E ainda acho que a Academia Europeia deveria ser mais atuante."
Ele voltou a defender cineastas russos como Andrey Zvyagintsev e Viktor Kossalovski, de quem recebeu mensagens lamentando a invasão promovida pelo governo de seu país. "Eles sempre foram contra o regime, lutam contra o regime em seus filmes, e alguns nem moram mais na Rússia. Não acho que devam ser banidos", enfatizou. Também falou sobre as críticas que ucranianos fizeram à direção artística do Festival de Cannes por incluir na competição Tchaikovsky s Wife, de Kirill Serebrennikov. "Eu acho isso muito bizarro. Que autoridade eles têm para julgar as pessoas e definir quem é um dissidente verdadeiro ou não?"
Como era de se esperar, Loznitsa, que já tinha falado dos conflitos no leste da Ucrânia em Donbass (2018), vai tratar da guerra atual em seu próximo projeto. Mais especificamente, sobre a investigação já iniciada a respeito dos crimes de guerra cometidos em seu país.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>