Apenas dez bairros da cidade de São Paulo concentram mais da metade de toda a apreensão de drogas feita na capital paulista. Entre janeiro de 2015 e maio deste ano, as delegacias de polícia da cidade apreenderam 9,6 toneladas de maconha, cocaína, crack e drogas sintéticas – 4,9 toneladas (51,18%) em dez distritos, a maioria na periferia. A lista mostra ainda que é baixa a correlação entre esses bairros e aqueles em que a polícia registra mais crimes violentos, bem como as áreas em que há mais prisões.
O jornal O Estado de S. Paulo obteve o histórico de apreensões por meio da Lei de Acesso à Informação e comparou os dados com as demais estatísticas, divulgadas mensalmente pelo governo do Estado.
Só três delegacias aparecem tanto na lista dos bairros que mais apreendem drogas quanto na dos que mais prendem criminosos na cidade. São os distritos do Brás (8.º DP), no centro, da Ponte Rasa (24.º DP) e Vila Jacuí (63.º DP), ambos na zona leste. Já na comparação com os que mais registram crimes violentos (homicídios dolosos, estupros, latrocínios e roubos somados), há duas delegacias nas duas listas: o 63.º DP e o 47.º DP, no Capão Redondo, zona sul.
O 3.º Distrito Policial (Santa Ifigênia), que atende a Cracolândia, é o quarto colocado no ranking. Mas não é o distrito que mais apreende crack. O líder é o 49.º DP, de São Mateus, zona leste, com 40 kg da droga. A delegacia da Cracolândia apreendeu 900 gramas – e ocupa a 16.ª posição.
Das 10 delegacias do ranking, 7 são centrais de flagrantes que fazem plantão 24 horas e recebem ocorrências de distritos que fecham à noite – há 27 dessas delegacias na cidade. Para o coronel reformado da PM José Vicente da Silva Filho, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a comparação dos dados “desmistifica o consenso que temos de que as drogas estão relacionadas à violência”. “O que tem relação direta com violência é cachaça, que desinibe muito”, afirma.
Já o coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), Maurício Fiore, afirma que o consumo ainda só é associado à violência por causa da posição do Brasil em tratar o assunto como questão de polícia. “A Europa tem índices baixíssimos de violência, se comparada com o Brasil, e o consumo de drogas, em termos proporcionais, é maior. Isso porque a violência não está associada ao consumo”, diz.
Policiais nas delegacias que compõem o ranking se mostraram surpresos com os índices – não achavam que estavam acima da média. Segundo contam, as apreensões são feitas pela PM, em patrulhamento, e em investigações de outros crimes que terminam, também, com a descoberta dos entorpecentes.
Pancadão
O campeão em apreensões é o 98.º Distrito Policial (Jardim Miriam), no limite com Diadema. Para a polícia, as características urbanas do bairro – 90 favelas – favorecem a ação do tráfico. “É um bairro extremamente pobre e carente, com poucas áreas satisfatoriamente urbanizadas”, explica o delegado titular, Altair Antonio Joaquim. Para ele, o consumo é feito por moradores da região. “Eles nem têm muitas armas”, afirma. O presidente do Conselho de Segurança (Conseg) do bairro, Durval dos Santos, destaca ainda que a incidência dos “pancadões” na área estimula o consumo de drogas. “Moradores reclamaram e agora tentamos avisar a polícia antes.”
Na outra ponta está o 36.º DP, de Vila Mariana. É a delegacia que menos apreendeu droga nos últimos 17 meses. “Aqui há muito roubo. Essa é nossa preocupação. Claro que há tráfico, há consumo. Mas nosso foco é solucionar roubos, assaltos”, disse um delegado do distrito.