Na sabatina em que sua indicação para ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) foi confirmada pelo Senado, Flávio Dino fez um aceno aos congressistas num tema que gerou o mais agudo embate entre Judiciário e Legislativo neste ano. Ao afirmar ter um compromisso "indeclinável" com a harmonia entre os Poderes, o ex-ministro da Justiça invocou o "princípio do paralelismo das formas", assinalando que, se uma lei é aprovada de forma colegiada, "o desfazimento, salvo situações excepcionalíssimas, não pode se dar por decisões monocráticas".
A fala de Dino gerou associação com a aprovação, no mês passado, da Proposta de Emenda à Constituição PEC 8/2021 que limita as decisões individuais (monocráticas) do Supremo. Na prática, o texto aprovado estabelece que os magistrados ficarão impedidos de suspender por meio de decisões individuais a vigência de leis aprovadas pelo Legislativo. A medida também vale para leis analisadas pelos tribunais estaduais. A aprovação da proposta provocou uma batalha verbal entre ministros do STF e a cúpula do Congresso.
Dino tratou do tema decisões monocráticas quando citou em seu discurso o que considera três presunções "centrais". A primeira delas, a presunção de constitucionalidade das leis. Ele destacou que a inconstitucionalidade das normas é um "fato raro" e só pode ser declarada quando não houver dúvida acima de qualquer critério razoável. "Nas zonas de penumbra há que se prestigiar atividade legislativa", afirmou, acenando aos parlamentares.
"Se uma lei é aprovada neste Parlamento – como eu tive a honra de ter sido deputado federal e tenho a honra de ser hoje senador (estava licenciado do mandato para ocupar o posto de ministro da Justiça) -, é aprovada de forma colegiada, o desfazimento, salvo situações excepcionalíssimas, não pode se dar por decisões monocráticas."
Foi a deixa para falas de endosso dos senadores Esperidião Amin (PP-SC), relator da proposta, e Jaques Wagner (PT-BA) – líder do governo na Casa, que votou a favor da PEC, contrariando a decisão do PT e provocando a ira de ministros da Corte.
<b>Aborto</b>
Em outro ponto envolvendo os Poderes, o ex-juiz federal reiterou sua manifestação sobre a criminalização do aborto e disse que o sistema legal pode ser debatido no Congresso. "Não imagino que é caso de uma decisão judicial e sim de debate no Parlamento", afirmou. Dino lembrou que a ministra aposentada Rosa Weber já antecipou seu voto sobre o tema – "em desconforme" com o que ele pensa.
A segunda presunção citada por ele no discurso foi a de legalidade dos atos administrativos. Dino disse saber como é difícil "gerir a escassez" e afirmou que, apenas excepcionalmente, o Judiciário deve enfraquecer a legalidade de um ato administrativo, levando em consideração as dificuldades e obstáculos reais do gestor. Também citou a presunção da inocência, ressaltando o respeito pelo processo legal, o contraditório e contra o punitivismo.
Dino se declarou confortável para ser examinado pelos senadores, nos quesitos constitucionais. Ele adotou uma conduta diferente daquela vista em outras ocasiões no Congresso. "Não vim aqui fazer debate político. Não estou aqui como político", ressaltou, evitando confrontos. Sobre a relação entre os Poderes, disse que "controvérsias são normais, mas não podem ser paralisadoras do funcionamento das instituições".
Ao mesmo tempo que fez aceno aos congressistas, o sabatinado também fez uma enfática defesa do Judiciário. Em resposta a declarações do senador Magno Malta (PL-ES), Dino afirmou que, como instituição humana, a Corte não é perfeita, mas não poderia concordar "com a ideia de que todos os ministros, todas as ministras que por ali passaram ao longo de décadas e os atuais sejam inimigos da Nação".
"Não existe ditadura judicial no Brasil. Tanto é que o senhor (Magno Malta) está aqui como senador falando o que o senhor está falando", frisou durante a fase de indagações.
<b>8 de Janeiro</b>
Dino foi questionado sobre o 8 de janeiro, a participação na CMPI dos atos golpistas – na qual protagonizou embates. Ele rebateu críticas sobre a entrega das imagens de câmeras de segurança do Ministério da Justiça ao Parlamento e ressaltou como seu comparecimento ao Congresso, oito vezes, para prestar esclarecimentos, é uma "prova de respeito às casas parlamentares".
Além disso, sustentou que não recebeu alertas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sobre o ataque às sedes dos Poderes em Brasília e rebateu alegação de suposta "inação" do governo no episódio.
As convicções políticas de Dino também foram objeto de indagações. Ele rebateu afirmando que um juiz não pode sobrepor suas convicções individuais em relação aos valores das leis.
Dino ainda foi questionado sobre as audiências no Ministério da Justiça das quais participou Luciane Barbosa Farias, conhecida como a "dama do tráfico" amazonense. "Sobre lendas que foram criadas sobre audiências que não houve e que se tivessem ocorrido não configurariam nenhum tipo penal, não há nada a dizer sobre isso porque não há materialidade", afirmou.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>