Os niteroienses costumam se gabar de que a melhor vista do Rio de Janeiro fica na cidade deles. Polêmicas à parte, foi em Niterói, em cima de uma balsa ancorada na Baía de Guanabara, de onde é possível ver a paisagem carioca, que Diogo Nogueira filmou Samba de Verão. O projeto visual, dividido em três partes – Sol, Céu e Lua -, festeja a estação mais quente do ano e faz um tributo a nomes que são alguns dos pilares do moderno samba brasileiro, como o grupo Fundo de Quintal, Beth Carvalho e Zeca Pagodinho.
O primeiro trabalho, Sol, com oito faixas, foi gravado ao entardecer, com o astro colorindo de dourado as águas do mar da baía – e já está disponível nas plataformas digitais e na página do cantor no YouTube. Diogo diz que o projeto começou a ser elaborado há dois anos. A ideia, quando começou a pesquisar o repertório, com músicas inéditas e antigas, era fazer um produto diferente do que simplesmente filmar um show para editá-lo em DVD.
Com a chegada da pandemia, os planos tiveram de ser alterados. Inicialmente, foi cogitado que a gravação ocorresse na casa de Diogo, de maneira bem informal, como nas inúmeras lives que ele fez desde que os shows com grande público ficaram inviáveis com o avanço da covid-19 no País. Depois, cogitou-se que a gravação seria feita em uma ilha em Angra dos Reis. Por fim, quando um amigo ofereceu a marina em Niterói, o Samba de Verão ganhou sua cara definitiva.
A balsa virou um palco de 500 metros quadrados que recebeu um cenário criado por Zé Carratu – que já trabalhou para nomes como Gal Costa, Anitta, Chitãozinho e Xororó -, e colocou Diogo no centro de um sol estilizado, ao lado de 15 músicos que o acompanharam na gravação.
O primeiro single, a inédita Bota Para Tocar Tim Maia, parceria do cantor com Rodrigo Leite, Cauíque, Marcio Alexandre e Marcelinho Moreira, com vocação radiofônica, fala do amor de um casal que se inspira no calor do verão – lançado há pouco mais de um mês, já soma mais de 1 milhão de visualizações. Diogo conta que a canção foi feita em uma reunião em sua casa. "Aquela coisa de beber vinho e ficar compondo. Começamos a fazer, mas empacamos em um pedaço. Liguei para o Rodrigo Leite para ele entrar nessa parceria. Ele em São Paulo, nós no Rio, e a música foi terminada via WhatsApp", conta.
A presença do grupo Fundo de Quintal – e toda a herança que eles trazem do Cacique de Ramos, bloco carnavalesco fundado há 60 anos no bairro carioca – está nas faixas Fada (Mário Sergio e Luiz Carlos da Vila) e Cheiro de Saudade (Sereno e Mauro Diniz). Elas se tornaram as últimas gravações de Ubirany, um dos fundadores do grupo, que morreu covid-19 em 11 de dezembro de 2020, aos 80 anos.
Diogo lembra com carinho da participação do músico e, sobretudo, de um momento que viveram nos ensaios, em um estúdio em Copacabana, no Rio. "Eu tive a oportunidade de mostrar para ele e para os demais integrantes áudios da década de 1970 que eles mandavam para artistas, como Beth Carvalho, escolherem o repertório. Entre eles, o de Coisinha do Pai. Foi emocionante. Isso tudo foi gravado e estará em um documentário que vamos lançar contando a história do projeto, junto com o DVD", conta.
A lembrança de Beth Carvalho (1946-2019), a outra homenageada pelo sambista, se faz pela regravação de Andança (Danilo Caymmi, Edmundo Souto e Paulinho Tapajós), música que a lançou para o estrelato em 1968 no 3.º Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo, interpretada ao lado do grupo Golden Boys.
Durante a carreira, Diogo dividiu o palco com Beth algumas vezes, como nas gravações de Deixa a Vida Me Levar e Firme Forte. Uma relação herdada do pai, o cantor e compositor João Nogueira (1941-2000), que liderou, no fim dos anos 1970, o Clube do Samba, um movimento afirmativo do gênero e que fazia frente à chegada da discoteca – mais tarde, chamada de dance music -, que tomava as paradas de sucesso brasileiras e restringia o campo de atuação dos músicos na noite. Ao lado de João estavam, além de Beth, Cartola, Wilson das Neves e Nei Lopes. Hoje, como ressalta Diogo, os diferentes gêneros se encontram, dentro e fora do palco.
Na direção da tradição do samba – "que agoniza, mas não morre", como sentenciou Nelson Sargento, Diogo chamou uma nova geração de partideiros (aqueles que fazem partido-alto, uma das formas do samba carioca que destacou nomes como Almir Guineto, Arlindo Cruz, Jovelina Pérola Negra e Zeca Pagodinho). Nesse grupo, estão Juninho Thybau, Gabrielzinho do Irajá, Mosquito, Mingo e Baiaco, com quem Diogo cantou um medley com Pretas, Brancas e Morenas (João Martins, Juninho Thybau, Luciano Bom Cabelo e Paulo Henrique/PH Mocidade), É Lenha (Nego Álvaro, Mingo Silva, Mosquito) e Amor Verde e Rosa (Mingo Silva).
"Eles representam a continuidade e a homenagem que eu quis fazer aos artistas que cantaram e gravaram o partido-alto, às rodas de samba da Tia Doca e a Jovelina, duas mulheres que trabalharam muito pelo samba. Por serem compositores, esses meninos levam esse legado adiante. É essa alegria do subúrbio, do verão, do sol que eu quis mostrar", diz.
Na produção, Diogo conta novamente com Rafael dos Anjos e Alessandro Cardozo, que assinaram, em 2017, Munduê, álbum autoral de Diogo. Desde essa época, o trio tem unido forças em discos e shows, como em Vapor de Arerê, lançado em 2019, e o Ao Vivo em Porto Alegre, lançado no ano passado.
Diogo trata a trilogia Samba de Verão como um projeto independente. "A gravadora sou eu", diz. Ao seu lado, como diretor-geral, está Afonso Carvalho, ex-empresário de Beth Carvalho e diretor artístico da Musickeria, empresa dona da marca Sambabook, que já colocou no mercado tributos a João Nogueira, Zeca Pagodinho, Jorge Aragão e Dona Ivone Lara.
O cantor não acredita que as apresentações com o público voltem tão cedo – talvez no segundo semestre, em uma visão mais otimista, diz. Longe dos palcos e das turnês, Diogo aproveita o tempo para compor e se aperfeiçoar no violão e cavaquinho. Ele, que teve covid-19 em julho do ano passado, diz que espera pelo avanço da campanha de vacinação para apresentar o show Samba de Verão para o público. Por ora, o conselho que dá é: "Arraste o sofá e vai dançar – em casa".
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>