Em um surpreendente avanço na reta final da campanha, o populista Rodolfo Hernández desbancou o candidato da direita tradicional, Federico "Fico" Gutiérrez, e vai ao segundo turno da eleição presidencial da Colômbia contra o esquerdista Gustavo Petro, um ex-guerrilheiro que concorre pela terceira vez ao cargo. Segundo analistas, o resultado deixa clara a insatisfação dos colombianos com os políticos tradicionais e o uribismo, a ala conservadora ligada o ex-presidente Álvaro Uribe.
Petro obteve 40,33% dos votos. Hernández, um magnata do setor da construção civil com um patrimônio avaliado em US$ 100 milhões e investimentos em todo o país, ficou com 28,19% dos votos.
Com uma campanha forte nas redes sociais e encampando um discurso antissistema e de ataque à corrupção dos partidos tradicionais, Hernández cativou um eleitorado insatisfeito com a direita tradicional, que apoiava Gutiérrez, ligado ao atual presidente, Iván Duque. Essa será a primeira vez que o uribismo não terá um candidato próprio ou apoiado no segundo turno desde 2002.
Já muito polarizada no primeiro turno, a nova rodada deve esquentar ainda mais o debate ideológico até 19 de junho, quando ocorre a disputa final entre os candidatos. Um deles à esquerda, que pela primeira vez pode governar o país, e o outro de direita radical.
Para Edgar Andrés Londoño, cientista político da Universidad Nacional de Colombia e doutor pela UERJ, "a principal razão da ascensão de Hernández é porque ele representa uma mudança nessa política tradicional, assim como o Petro". "Ele (Hernández) é chamado de Trump da Colômbia porque é um empresário e sua plataforma está organizada a partir dessa questão mais de negócios. Ele também tem a proposta de diminuir os impostos. As ideias de Fico Gutiérrez pareciam apontar para uma continuidade do governo de Duque, que é impopular", disse.
Duque – que não poderia concorrer à reeleição – tem o desempenho muito criticado nas áreas de economia, saúde, em razão de sua resposta à pandemia, e na segurança pública, tema caro aos colombianos.
<b>Cenário regional</b>
A votação expressiva de Petro repete um roteiro de eleições em outros países da América Latina. Liderados por liberais, países como a Argentina, de Mauricio Macri, elegeu Alberto Fernández, e o Chile, então governado por Sebastián Piñera, escolheu Gabriel Boric – nos dois casos, políticos identificados com a esquerda.
Na Colômbia, porém, o candidato do Pacto Histórico, terá de superar uma intensa polarização e um aumento da violência eleitoral. Segundo dados da organização civil Misión de Observación Electoral, em 2018, na vitória de Duque, o país registrou 322 casos de violência com motivação eleitoral, sendo que 131 foram direcionados a líderes políticos. Em 2022, o número total saltou para 683, alta de 112.1%. Analistas projetam um segundo turno ainda mais tenso, com uma clara tendência de setores da direita se unindo para evitar uma vitória do ex-guerrilheiro.
Para Londoño, o resultado das urnas de ontem tornam as previsões sobre um segundo turno mais difíceis, pois Hernández se mostrou muito mais competitivo. "Em cenários de pesquisas anteriores Petro venceria Hernández, mas agora as coisas mudaram nessas pesquisas. Acho que muitos votos de Fico Gutiérrez devem ir para Hernández e não pra Petro."
<b>Poder da campanha nas redes sociais</b>
A Colômbia surpreendeu ontem ao escolher dois candidatos de fora da política tradicional, o esquerdista Gustavo Petro e o populista de direita Rodolfo Hernández. Segundo analistas, além de uma maneira de os colombianos se despedirem do uribismo que marca a política local desde 2002, a eleição mostra como as redes sociais podem definir resultados eleitorais. Com uma estratégia de campanha focada na internet e promessas anticorrupção, Hernández conseguiu disparar na reta final.
"O que o Hernandez nos mostra aqui é que ele é um candidato das mídias sociais e isso foi muito importante", afirma Maria Elena Rodriguez, professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e pesquisadora do Brics Policy Center. "É aí onde ele tem força, no Tik Tok e no Instagram", disse ela. "Ele é um candidato dessa linguagem, que aparece e se comunica por aí. Isso é importante se a gente pensar que o tratamento das mídias sociais é muito mais forte com (Jair) Bolsonaro e sabemos como os bolsonaristas fazem muito bem esse processo. É uma linguagem que nem todos os candidatos têm a capacidade de controlar, de ministrar e de sair-se muito bem", completa.
Hernández, que se lançou como candidato independente justamente para se descolar da figura do uribismo, obteve um êxito não previsto nem pelas últimas pesquisas de intenção de votos, que mostrava um aumento de suas intenções de voto, mas não uma passagem para o segundo turno da disputa.
<b>Propostas</b>
Em termos de propostas, no entanto, Hernandéz não deixou claro a que veio. "É um candidato que não colocou muito quais são as suas propostas políticas. Ele não foi nos últimos debates, não participou publicamente das discussões com os outros candidatos e tem uma participação que é só no Tik Tok. É um outsider com um discurso especificamente anticorrupção e muito pitoresco", disse Maria Elena.
Segundo ela, em algumas entrevistas Hernández se mostrou pouco informado sobre o país que pretende governar. "Ele não sabia responder muitas perguntas sobre problemas de capitais de departamentos. Mas, ainda assim, ele surpreendentemente ganhou e ganhou muito bem."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>