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Direito não passa no Enade; MEC quer uma agência para cuidar das faculdades

Dados do Ministério da Educação (MEC) mostram que quase um terço dos concluintes dos cursos de Direito de instituições privadas foi "reprovado" no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade). Na prática, 32,7% desses cursos obtiveram os conceitos 1 e 2, os mais baixos da avaliação que vai até o conceito 5, ante 8,6% nas públicas. Além disso, a maioria dos novos profissionais nos cursos avaliados chegará ao mercado com uma nota apenas média.

Após a divulgação, o ministro da Educação, Camilo Santana, afirmou que o governo enviará este mês ao Congresso um projeto para criar uma agência regulatória para atuar no ensino superior. "O MEC não tem perna suficiente para fazer essa supervisão da forma necessária para garantir a qualidade dos cursos no País."

O Enade avalia periodicamente os cursos e, no caso atual, considera 26 carreiras (na lista estão ainda Engenharia, Psicologia, Jornalismo, Propaganda e cursos de Tecnologia). A prova é composta por 40 questões, das quais 10 são relacionadas à formação geral e 30 à formação específica. Neste ciclo, 594.013 estudantes se inscreveram, 75% de bacharelados e 25% de cursos tecnológicos. O exame avaliou alunos de 9.896 cursos de graduação. Considerando os presentes na prova, 66% estavam matriculados em cursos presenciais e outros 34% na EAD.

No universo total de cursos avaliados, a maior parte obteve nota intermediária. Foram 45,2% deles com o conceito 3. Depois, 25,9% dos cursos tiraram nota 2; em seguida, 20,1% ficaram com conceito 4; depois, 5,5% com nota 5, e 3,3% com conceito 1. Atualmente, a regulação do ensino superior é feita por uma secretaria específica do MEC em parceria com o Inep, responsável pela avaliação. O ministro elogiou as equipes, mas admitiu que a estrutura está "aquém do necessário" e uma agência deve cuidar dessa etapa de ensino.

O pesquisador Wilson Mesquita de Almeida afirma que o ex-ministro Fernando Haddad já tentou colocar de pé iniciativa semelhante, mas o tema acabou não avançando. "Já passou da hora de ter isso, ainda mais com o avanço do ensino EAD. Agora, tem de ver a correlação de forças para isso. Durante a gestão Haddad, foi pensado o Insaes, uma agência regulatória. Mas o lobby do ensino privado lucrativo, com tentáculos em todo o espectro político brasileiro, barrou, engavetou. Era um projeto bom, uma autarquia, via concurso público, para somente fiscalizar isso. É preciso essa agência estatal independente com a Polícia Federal para evitar fraudes", afirmou.

<b>EXPLICAÇÕES</b>

Professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e especialista em ensino superior, Wilson Mesquita de Almeida explica que o mau desempenho de boa parte dos cursos de ensino superior se arrasta desde a década de 1990, quando ainda era realizado o chamado "Exame Nacional de Cursos", conhecido como provão. O pesquisador explica que o fato de o ensino superior brasileiro ser marcado principalmente por instituições privadas de caráter lucrativo faz com que, muitas vezes, a qualidade acabe ficando em segundo plano por exigir custos operacionais altos. Além disso, pelo mesmo motivo, muitas vezes parte das instituições privadas não realiza exames de seleção, diferentemente das universidades públicas, que têm o Enem como principal porta de entrada.

"Outro aspecto associado é que esse aluno geralmente vem com baixo capital cultural, com lacunas diversas, que os grupos não conseguem, ao longo do curso, tratar. Por exemplo, sabe-se há muito que grande parte do público dos cursos possui baixos níveis de leitura e compreensão textual, os quais são essenciais para várias disciplinas, em especial Direito. Logo, a deficiência da escola pública, outro problema estrutural, também interfere aqui", afirma Almeida. "Quando contrastamos com as universidades públicas, embora haja heterogeneidade também nesse universo, vemos que o aluno passa por um crivo mínimo, o Enem e/ou outro processo seletivo. Ele também tem um maior capital cultural por ter tido uma melhor escolarização na educação básica, além de ser de famílias mais bem situadas economicamente."

Ainda que a política de cotas tenha alterado significativamente o perfil socioeconômico das universidades públicas, o pesquisador explica que tradicionalmente os estudantes que buscam o curso de Direito nessas instituições pertencem à classe média ou à classe alta.

<b>O CASO DO DIREITO</b>

A participação de cursos privados de Direito no conceito 5 (máximo) é residual, correspondendo a 1,7% do total. Enquanto isso, 37,7% dos cursos de Direito das universidades públicas receberam nota 5. Metade dos cursos privados de Direito obtiveram a nota 3, e 15,2% deles o conceito 4. "Os dados mostram que o sinal de alerta para alguns cursos já está vermelho e precisamos corrigir isso. Claro que ninguém corrige nada na educação com toque de mágica. O papel do MEC é um papel de coordenador, avaliar, discutir.

Até porque temos autonomia das universidades e (é preciso) construir os caminhos para corrigir as distorções e garantir a melhoria da qualidade de todos os cursos", disse Camilo Santana.

Os cursos de Direito reúnem cerca de 671.726 alunos em todo o País na modalidade presencial, a única ofertada, segundo dados mais atuais referentes a 2022. A carreira tem o segundo maior número de estudantes, perdendo apenas para Pedagogia. O MEC discute se vai autorizar o credenciamento de cursos de Direito EAD. O ministro aproveitou para se posicionar contra essa autorização, defendida pelas instituições particulares.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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