Aos 29 anos, Damien Chazelle tornou-se uma das grandes promessas do cinema americano graças a “Whiplash – Em Busca da Perfeição”, seu segundo longa (o primeiro, “Guy and Madeline on a Park Bench”, foi realizado quando ele ainda estava na Universidade Harvard). O filme, que estreia nesta quinta, 08, no Brasil, venceu os dois principais prêmios do Sundance Festival de 2014 e fez barulho em Cannes, onde foi exibido na Quinzena dos Realizadores.
Chazelle baseou-se nas próprias experiências como estudante de bateria de jazz na adolescência para criar a história de Andrew Newman (Miles Teller), que acabou de entrar numa prestigiosa universidade de música e sonha ser um dos grandes, como seu ídolo Buddy Rich. Mas ele precisa enfrentar seu exigente professor Terence Fletcher (J.K. Simmons, favorito ao Globo de Ouro de coadjuvante e provável candidato ao Oscar na categoria). Entre os dois, estabelece-se uma relação de terror, que chega ao abuso físico. Chazelle conversou com a reportagem sobre “Whiplash”.
Pode falar sobre sua ligação pessoal com essa história?
Eu tocava bateria de jazz quando era adolescente. Tive um professor que me inspirava e me aterrorizava. Havia algo fascinante nesse relacionamento estranho em que a pessoa que você mais odeia é aquela a que mais quer agradar. Queria fazer um filme sobre música que fosse sobre medo, raiva, hostilidade. Esse tipo de emoção mais sombria, que em geral os filmes de música não abordam, principalmente o sofrimento físico. Lembro das minhas mãos sangrando quando era baterista, de ter dores nos braços tentando manter o ritmo. E meu professor me interrompendo na frente da banda inteira, fazendo rotação de bateristas. Nunca tinha visto essas coisas num filme.
Seu professor acabou por desencorajá-lo?
Este é o paradoxo: eu não me diverti, mas me tornei um baterista melhor por causa dele. Não tenho dúvidas de que foi por causa do medo que tinha dele. Mas ainda tenho pesadelos em que subo no palco, não trouxe a partitura ou não sei a música, e ele grita: “Chazelle!”. Tenho esse pesadelo uma vez por mês, mais ou menos. É incrível, especialmente quando você é jovem, como algumas coisas ficam marcadas.
Seu professor fez com que melhorasse, mas, ao mesmo tempo, você ficou com cicatrizes. Acha sua abordagem válida?
A diferença entre o meu professor e o do filme é que o meu nunca ficou violento. Era um perfeccionista. No filme quis tentar pensar no professor mais horrível e monstruoso, mas que seguisse uma filosofia e fizesse sentido, de certa forma, porque consegue resultados. Para mim, é uma pergunta fascinante, não apenas na arte: até que ponto os fins justificam os meios? Tendo a achar que os meios são muito importantes, e os fins quase nunca justificam os meios. Um dos grandes problemas nos Estados Unidos, especialmente, é que os fins justificam os meios, politicamente, socialmente. É uma grande falha no país. Mas, quando você ouve um solo de Charlie Parker, aquilo nasceu do sofrimento. Se eu preferiria que ele fosse mais feliz, e sua música, pior? Não sei.
Nunca tentaram mudar o gênero? Por que jazz não é muito popular?
Ah, sim, me falaram várias vezes: “Faça, mas não com jazz”. Houve também tentativas de suavizar, de fazer algo que fosse mais “inspiração”. Que o personagem ficasse mais bonzinho. Por sorte, tive produtores que leram o roteiro e queriam deixar tudo como estava: era jazz, era com o J.K. Simmons, eu ia dirigir, podíamos fazer com pouco dinheiro, mas tinha de ser o suficiente para fazer direito. O curta-metragem, que fiz como uma espécie de teaser, com certeza ajudou. Tive sorte de que tudo deu certo.
Como criou o estilo visual do filme?
Tanto o estilo visual como todo o resto sempre tinham um objetivo: comunicar a intensidade, ansiedade, medo, terror, suor, dor. Queria fazer um filme musical como um thriller. Então foi o que ditou esses ambientes claustrofóbicos, com pouca luz, sem janelas, mas também tem um certo glamour, porque é um mundo do qual ele quer fazer parte. Então tem um visual meio Gordon Willis em O Poderoso Chefão, James Gray, Caravaggio. Queria que tivesse certa energia. Fiz o storyboard antes, criei um plano com o diretor de fotografia porque tínhamos apenas 20 dias para rodar. O desafio era transpor esse visual meticuloso em pouco tempo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.