Três diretores da Fundação Palmares pediram demissão nesta semana, sob o argumento de que não há "viabilidade de diálogo" com o presidente da instituição, Sérgio Camargo. O imbróglio envolve a mudança da sede da Palmares, que pode virar alvo de um processo por improbidade administrativa. "Coerentes com nossos princípios morais e políticos, tomamos uma difícil decisão de desligamento de nossos cargos por não encontrarmos mais viabilidade de diálogo entre os diretores e o presidente", diz a carta apresentada pelos demissionários.
O <b>Estadão/Broadcast</b> apurou que Camargo pressionou os diretores a autorizar uma reforma para devolver a antiga sede da fundação, mas o contrato, que precisaria ser assinado por todos eles, estaria fora dos padrões da administração pública. O presidente teria, então, ameaçado os gestores: "Quem não tiver coragem de assinar que entregue o cargo".
A reunião virtual ocorreu na quarta-feira, 10. No mesmo dia, Ebnezer Maurilio Nogueira da Silva, diretor do Departamento de Fomento e Promoção da Cultura Afro-Brasileira, seguiu a "recomendação" de Camargo e saiu. Na quinta, 11, mais dois se demitiram: o diretor do Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra, Raimundo Nonato de Souza Chaves, e o diretor de Gestão Interna, Roberto Carlos Concentino Braz.
Tudo começou em março do ano passado, quando Sérgio Camargo decidiu mudar a instituição para um prédio da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Como o aluguel consumia um terço do orçamento anual da entidade, a transferência contou com o apoio da diretoria, mas Camargo perdeu os prazos para fazer a licitação da mudança e da contratação das obras, tanto da antiga como da futura sede.
Camargo queria autorizar uma reforma parcial do edifício da antiga sede para devolvê-la, mas ele precisaria de obras mais amplas e, portanto, mais caras. Ao longo do ano, os proprietários chegaram a oferecer desconto para manter o contrato com a Fundação Palmares, sem sucesso.
Enquanto não devolve formalmente o escritório antigo, a Palmares continua a pagar aluguel. Por outro lado, a nova sede, para onde o acervo da instituição foi enviado em dezembro – com obras de arte, fotografias e até cartas de alforria de escravos, como mostrou o <b>Estadão </b>-, também precisa de ampla reforma e, enquanto isso não é feito, não tem condições de abrigar os funcionários, que trabalham de casa. Camargo, por sua vez, despacha de um gabinete da Secretaria Especial de Cultura na Esplanada dos Ministérios.
Na carta de demissão, os três gestores alegam que suas decisões foram "indeferidas ou ignoradas" em detrimento das posições de pessoas sem prerrogativa de voto, que "participavam de reuniões e interferiam nas decisões, causando ingerência de forma generalizada". O documento não cita nomes, mas se trata de uma referência à chefe de gabinete de Camargo, Conceição Barbosa, e à sua assessora de Comunicação Social, Raquel Brugnera, segundo apurou o Estadão/Broadcast.
"Contudo, as mesmas pessoas não assumem os riscos da condução das ações dos departamentos e se isentam das suas consequências. Seja por má fé ou falta de conhecimento de nossas áreas, assistimos estarrecidos ao Senhor Presidente ser conduzido ao erro por servidores de longa data que trabalharam fielmente nas antigas gestões desta Fundação", diz um trecho da carta. "Como diretores e coordenadores dos departamentos que compõem a instituição, fomos voto vencido, mesmo sendo maioria em decisões cruciais ao bom andamento de projetos, ações de mudança da sede e demais políticas públicas que poderiam ser entregues à população até este momento".
Ainda segundo o documento, os compromissos assumidos por Camargo em sua posse não teriam sido cumpridos mesmo após "inúmeras tentativas de interlocução".
A Palmares tem cinco cargos de direção. Em janeiro, Alexandre Fineas, diretor de Gestão Estratégica, já havia deixado a instituição por desavenças com Camargo, sendo substituído de forma interina por Simoni Andrade Hastenreiter. O diretor do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-brasileiro, Laércio Fidelis, é o único titular que permanece no cargo.
Conhecido por ser um apoiador do presidente Jair Bolsonaro, Camargo se identifica como "negro de direita, antivitimista, inimigo do politicamente correto, livre" em sua conta no Twitter e preside a Fundação Palmares desde novembro de 2019. Ele já entrou em embate com vários artistas e lideranças do movimento negro nas redes sociais.
A Palmares foi criada por lei em 1998 para promover e preservar os valores culturais, históricos, sociais e econômicos da influência negra na formação da sociedade brasileira.
No Twitter, Camargo disse que os diretores serão substituídos nos próximos dias. "A Fundação Palmares pertence ao Brasil e é mantida com recursos dos pagadores de impostos. Seu compromisso é com a satisfação do público, não dos gestores. O trabalho continua, sem qualquer alteração nas diretrizes", escreveu ele.