A ideia do presidente da Fifa, o suíço Gianni Infantino, de criar um teto salarial para o futebol como medida de readequação ao cenário pós-pandemia do novo coronavírus não encontra unanimidade no Brasil. Dirigentes, especialistas e representantes de atletas procurados pelo Estadão avaliam que em vez da aplicação dessa medida, seria melhor criar mecanismos mais eficientes para controlar as despesas dos clubes no futuro. No entanto, quem é jogador aceita a sugestão como forma de garantir o pagamento em dia dos vencimentos.
Em carta publicada dias atrás, Infantino mencionou o desejo de criar futuramente um teto salarial. "Pessoalmente, eu defendo uma regulamentação financeira mais clara e rígida, que imponha transparência absoluta e princípios de boa governança", escreveu o dirigente. Embora tenha reforçado o plano, o presidente da entidade máxima do futebol não deu detalhes sobre como funcionaria esse mecanismo.
Segundo o diretor executivo do CRB, Thiago Paes, a ideia do teto salarial pode criar um precedente perigoso para os atletas. "Talvez a equação acabe ficando invertida e a conta não feche. O jogador vai dar uma receita tão grande para o clube e como contrapartida para seus serviços, vai receber um salário abaixo do que ele valeria", explicou. A sugestão dele é os clubes conseguirem se planejar melhor em ações de marketing que consigam reverter em receitas utilizadas para pagar parte dos salários.
Na opinião do diretor executivo do Oeste, Cidão de Freitas, seria melhor estabelecer metas mais amplas de orçamento e do cumprimento de contas e obrigações financeiras. "Deveriam pensar em algo mais estruturado, voltado aos gastos anuais do clube", disse. "Os clubes fazem contratações que não poderiam fazer, que prejudicam suas receitas e gastam mais do que deveriam. É complicado falar de salário, mas fechar um orçamento é mais fácil. Toda gestão de futebol aqui é temerária, principalmente nos times que possuem torcida grande, devido a pressão por grandes contratações", completou.
O advogado especialista em direito desportivo Eduardo Carlezzo pensa parecido. Em vez de teto salarial, talvez seja o momento de colocar em prática no futebol mudanças mais amplas, como o fair-play financeiro. "Entendo que o teto salarial é algo bastante controverso, pois cada país ou clube tem suas particularidades. No plano ideal, a Fifa deveria estimular a adoção de regras de fair-play financeiro visando assegurar sustentabilidade financeira de longo prazo, pois esta regulamentação já provou que pode ser benéfica ao futebol", afirmou.
O presidente da Portuguesa, Carlos Castanheira, defende ser necessário ter cuidados detalhados para colocar a medida em prática. "É preciso estabelecer parâmetros, para que eles atinjam esse teto salarial. Essa seria uma ferramenta interessante para conter as péssimas administrações, amadoras, que vêm acontecendo no país", comentou.
INADIMPLÊNCIA – Para quem é jogador ou convive com os atletas, o problema maior não é a discussão sobre o teto salarial, mas sim que o tema se sobreponha ao recorrente problema no futebol de atrasos salariais. "O mundo do futebol é inadimplente. Não é possível falar em teto, como se o alto salário fosse uma obrigação, se o futebol continua inadimplente. Não há cabimento propor isso sendo que nem o mínimo é ofertado", disse o presidente do Sindicato de Atletas de São Paulo, Rinaldo Martorelli. Na opinião dele, é muito difícil se criar uma regulação única, pois há no mundo realidades muito diferentes no futebol.
Já para o atacante Guilherme Garré, do Santo André, a proposta da Fifa serve como um alento para se evitar atrasos salariais. "Eu acredito que seja uma medida viável, porque os clubes vão conseguir se programar melhor para honrar com os compromissos estabelecidos com cada atleta, mas eu acho difícil isso acontecer logo após a pandemia. Creio que para se concretizar tudo isso, vai levar algum tempo ainda", comentou.