Sente-se um tom um tanto bressoniano em <i>Jardim dos Desejos</i>, drama do veterano Paul Schrader – roteirista de clássicos como <i>Taxi Driver</i> e <i>Touro Indomável</i>, diretor de ótimos filmes próprios como os recentes <i>Fé Corrompida</i> e <i>O Contador de Cartas</i>. Aliás, <i>Jardim dos Desejos</i> parece o fecho de uma trilogia dedicada a personagens de passado problemático.
No filme, há uma pequena reflexão introdutória sobre a arte da jardinagem. O jardim pode disciplinar a aparente desordem da natureza ou deixá-la por conta própria. Parece que vamos assistir a algum tipo de reflexão zen, da qual nossa época parece tão carente. No entanto, essa pode ser uma falsa pista.
Quem traz esses pensamentos, em voz off, é Narvel Roth (Joel Edgerton), mestre-jardineiro que trabalha no suntuoso Gracewood Garden, propriedade da ricaça Norma (Sigourney Weaver).
Narvel comanda uma pequena e disciplinada equipe de manutenção dos jardins. A ordem começa a ser subvertida pela chegada da jovem sobrinha-neta de Norma, a desinibida Maya (Quintessa Swindell).
As relações entre Narvel e Norma não são apenas profissionais. Por isso mesmo, entre outros motivos, a chegada de Maya será desestabilizante da aparente serenidade reinante no local.
Narvel tem um passado problemático, que se desvela de supetão. Basta vê-lo tirar a camisa e ficar de torso nu para que se perceba do que se trata. Ainda mais porque estamos no sul dos Estados Unidos, Louisiana, onde a memória das tensões raciais permanece latente – e pode explodir a qualquer momento.
<b>Mal-estar histórico</b>
Schrader, em seus roteiros e filmes, expressa esse mal-estar latente na sociedade em que vive – e que serve de modelo para o mundo ocidental.
Uma história de conquista que inclui escravidão e genocídio; um regime econômico excludente, travestido no clichê da "terra das oportunidades"; relação beligerante com o mundo e que se expressa, no campo interno, por uma mal disfarçada luta de todos contra todos.
Tudo abaixo da linha d água, devidamente oculto e reprimido. Cabe à arte trazer à tona esse incômodo permanente, o retorno do reprimido, como se diz em psicanálise.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>