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Discurso de Neruda no Nobel dá o tom do filme de Manuel Basoalto

Manuel Basoalto tem, por parte de mãe, um parentesco distante com Pablo Neruda. Sin enbargo, como ele diz, não foi isso que o levou a fazer seu belo filme (Neruda) sobre o poeta vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1971. Anos atrás, Basoalto editou uma revista de poesia no Chile e, depois, em plena ditadura, outra revista de crítica. Como conseguiu patrocínio de uma instituição cultural canadense, a revista sobreviveu por um tempo, mesmo fazendo duras críticas ao regime do general Augusto Pinochet. Para Basoalto, a arte não existe só para elevar, consolar (como queria Van Gogh). A poesia, o cinema. Tudo é política. Assim foi para Neruda.

Neruda foi coadjuvante na história de amor de O Carteiro e o Poeta, que o inglês Michael Radford adaptou de Antonio Skármeta. Philippe Noiret, como Neruda, dotava o tímido carteiro Massimo Troisi do dom da palavra para que ele pudesse seduzir Maria Grazia Cucinotta. Quando começou a sonhar seu filme sobre Neruda, Basoalto chegou a pensar em comprometer nele seu amigo Skármeta. Não deu, mas trocaram ideias, informações. “Dando-lhe voz, valorizando sua palavra, resgatando sua poesia”, reflete o diretor que esteve em São Paulo no fim de semana e participou de debates sobre o filme.

Dar voz ao poeta, a outro poeta, é o que também faz o iraniano Bahman Ghobadi em seu filme ainda em cartaz – O Último Poema do Rinoceronte. O de Basoalto entra nesta quinta, 9, em cartaz. O diretor esclarece – “Queria muito fazer um filme que levantasse a questão da palavra no mundo contemporâneo, na sociedade da imagem e da internet. Hoje em dia, os jovens assassinam a linguagem. Falam a língua da internet. Eu queria restaurar o esplendor da palavra, da linguagem. Voltei-me para Neruda. E, ouvindo seu célebre discurso de aceitação do Nobel, fui seduzido pelo trecho em que fala do Neruda fugitivo, cruzando os Andes.”

Na segunda metade dos anos 1940, Neruda, comunista de carteirinha, era senador da República. Seu partido integrava a base de apoio do presidente González Videla, que traiu os aliados e colocou os comunistas na ilegalidade. Neruda pronunciou um discurso no Congresso – o Eu Acuso chileno. O presidente, atingido – “Como puderam deixar esse homem falar no Congresso?”, interpelou seu chefe de polícia -, autorizou uma caçada humana. Neruda tornou-se clandestino no Chile. Deixou o país atravessando os Andes e ressurgiu em Paris, ao lado de Pablo Picasso, criticando Videla. Neruda fugitivo fornece a trama de Basoalto. O roteiro viaja, literalmente, no tempo e no espaço, mostra o Neruda jovem que ouve a advertência (ordem?) de um amigo do pai. “Pare com essa coisa de poesia. É de viados.” Mas Neruda não é gay. Ama as mulheres como ama a poesia.

“A vida de Neruda foi muito rica, muito intensa. Poderia fazer uma infinidade de filmes sobre ele”, diz Basoalto, que dirigiu, para TV, um documentário sobre Rafael Alberti. “Neruda e as mulheres, Neruda no Oriente. Escolhi esse recorte porque o Neruda fugitivo engloba o homem, o político, o amigo, o amante”, resume o diretor. Patria dulce y triste, Pátria doce e triste. Assim o poeta intitula um dos trechos de seu livro de memórias, Confesso Que Vivi. Neruda faz poesia em prosa. Denuncia as oligarquias e os governos entreguistas que saquearam as veias do Chile. Derradeiro ato de ignomínia que testemunhou – o golpe de Pinochet, a derrocada da utopia socialista da Unidade Popular.

O Chile é uma estreita faixa de terra espremida entre a Cordilheira dos Andes e o mar. Seus primitivos habitantes foram os índios (mapochos). Vieram os colonizadores – espanhóis, ingleses. Dessa mistura se forjou um espanhol muito musical. O Chile teve grandes poetas. Dois ganharam o Nobel – Gabriela Mistral e Pablo Neruda. O segundo situa-se na vertente de Rimbaud, de García Lorca, ambos citados (por meio de sua poesia). A história é a do homem que denunciou a violência e atravessou a cordilheira para afirmar a liberdade. O tema é a palavra, a defesa da poesia (da arte) como política. Basoalto partiu do discurso no Nobel. Abre e fecha seu filme com imagens documentárias, nas quais integra o ator José Secall, o seu Neruda. Grande no teatro, ele é impressionantemente parecido com o poeta. Possui envergadura e embocadura para dizer, com verdade, a poesia de Neruda. Alguém poderá dizer que a voz cristalina é solene, que o filme é chapa branca. O tom é ditado por Neruda, no discurso. Com Secall, como queria Basoalto, a palavra reina. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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