Qualquer que seja o resultado da mais recente etapa da crise política na Venezuela, a população deve sofrer a médio prazo com uma piora sensível das condições econômicas, que já impõem aos venezuelanos uma inflação que supera 1,6 milhão por cento, falta crônica de alimentos e remédios.
A secretária aposentada Elizabeth Piñeda, por exemplo, esperava que as coisas piorem muito antes de melhorar enquanto fazia compras em uma feira de um bairro pobre de Caracas. Sua aposentadoria lhe rende 18 mil bolívares por mês, o equivalente a seis dólares no câmbio não oficial e ten dificuldades de comprar alimentos mais básicos, o compartilhar com vizinhos para uma sopa de caldo de carne que comprou a muito custo.
Elizabeth complementa a renda trabalhando como astróloga. As estrelas já lhe confidenciaram que os venezuelanos estão perto de se livrar do presidente Nicolás Maduro, mas ela não espera uma saída rápida nem tranquila. “O governo vai nos enforcar ainda mais com suas decisões ruins e sua falta de vergonha na cara”, diz.
Economistas compartilham do ceticismo da aposentada. Para eles, quanto mais longo o confronto entre o líder opositor Juan Guaidó, que se declarou presidente do país na semana passada, e Maduro, mais provável que o sofrimento dos venezuelanos aumente.
Maduro, que por enquanto parece ter o respaldo da cúpula das Forças Armadas, acusa os Estados Unidos de planejar um golpe de Estado contra ele ao apoiar a decisão de Guaidó e incentivar outros países a fazerem o mesmo.
Acesso a recursos
A estratégia arriscada e incomum de reconhecer um governo alternativo sem poder de facto tem por trás um objetivo econômico: bloquear o acesso do regime chavista aos recursos provenientes da exportação de petróleo e ativos venezuelanos no exterior, o que traz consigo inúmeras implicações jurídicas e financeiras.
O principal alvo dessa estratégia é a Citgo, a filial americana da PDVSA com sede em Houston, responsável por grande parte das receitas da empresa. Outro alvo são os US$ 1,2 bilhão em reservas de ouro depositadas no Banco da Inglaterra, que correspondem a 15% das reservas em moeda forte do país.
Caso a União Europeia se junte aos países americanos que reconhecem o governo da oposição, Maduro poderia ter ainda mais dificuldades para vender o petróleo venezuelano, ampliando os efeitos da crise. Bruxelas deu até o fim desta semana para Maduro organizar eleições livres no país.
“Se Maduro continua no poder, a Venezuela pode sofrer uma catástrofe humanitária”, avaliar o economista-chefe da Torino Capital, Francisco Rodríguez.
Na avaliação dele, o cenário é similar ao ocorrido na invasão da Líbia em 2011, quando o governo do presidente Barack Obama congelou ativos do governo líbio durante a Primavera Árabe. Em consequência disso, a produção de petróleo líbia caiu 70%.
A diferença na comparação com a Venezuela é que Caracas ainda tem aliados e clientes importantes que reconhecem Maduro, como é o caso da Rússia, da China, Índia, Turquia e Malásia. Esses países, em tese, podem absorver os 500 mil barris que são vendidos diariamente aos Estados Unidos.
O problema para os chavistas, nota Rodríguez, é que sem acesso a bancos europeus e americanos, a logística dessas exportações ficaria muito complicada. Segundo o economista Russ Dallen, da Caracas Capital, os custos da operação também aumentariam, porque os portos venezuelanos não estão aptos a carregar navios para países tão distantes. Com isso, a escassez de alimentos e remédios, que na Venezuela são importados, tende a se agravar.
Ameaça russa
Se Guaidó conseguir tomar o controle da Citgo, haveria, no entanto, um efeito colateral. Em virtude de um acordo fechado com a Rússia em 2017, a estatal Rosneft pode tomar 49.9% do controle da empresa se o governo venezuelano der calote nos pagamentos de empréstimos aos russos. Ou seja, se a oposição não honrar esses compromissos, Moscou tomaria conta de um ativo estratégico petrolífero nos próprios Estados Unidos.
“É uma situação incrivelmente complexa”, explica Alen. “A perda da Citgo e do mercado americano afetará diretamente o fluxo de caixa do governo, o que levará a mais fome e mais gente fugindo do país.”
A produção venezuelana de petróleo está em crise há pelo menos sete anos, com o sucateamento da PDVSA e a fuga de cérebros após o presidente Hugo Chávez demitir diretores críticos a seu governo. Nos últimos anos, a queda se acentuou e hoje a produção é só um terço do que era há 20 anos.
Rodríguez calcula que se o impasse entre Guaidó e Maduro continuar, a economia deve se contrair 30% este ano e a inflação deve chegar a assombrosos 23 milhões por cento.
No caso de uma transição, o economista Orlando Ochoa estima que a comunidade internacional teria de desempenhar um papel-chave, para que Guaidó consiga reorganizar a economia do país e sua dívida externa.