A dissertação de mestrado que o desembargador Kassio Nunes Marques apresentou em 2015, para a Universidade Autônoma de Lisboa, em Portugal, traz trechos idênticos a publicações feitas por outro autor, o advogado Saul Tourinho Leal. A informação foi revelada pela revista <i>Crusoé</i> e confirmada pelo <b>Estadão</b>.
Os trechos idênticos chegam a incluir os mesmos erros de digitação encontrados nos artigos de Tourinho, o que aponta forte indício de plágio. A dissertação de Marques, que foi apresentada e defendida para receber o título de mestre, não faz nenhuma citação a Tourinho em suas referências bibliográficas, exigência básica para utilização de qualquer trecho de material acadêmico de outra pessoa.
O <b>Estadão</b> confirmou a ocorrência desses trechos copiados por meio do sistema Plagium, disponível pela internet. Há trechos iguais em pelo menos três artigos de Tourinho: Ativismo judicial: as experiências brasileira e sul-africana no combate à Aids; Direito à saúde: cidadania constitucional e reação judicial e O debate imaginário entre Luís Roberto Barroso e Richard Posner quanto à concretização judicial do direito à saúde, que foram publicados, respectivamente, em maio, junho e agosto de 2011. Esses textos foram escritos na época em que Kassio Nunes Marques foi nomeado desembargador pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).
O trecho abaixo coincide com a dissertação de Marques e o texto Ativismo judicial: as experiências brasileira e sul africana no combate à Aids, do Tourinho:
"Percorrendo a legislação federal e a Constituição, o ministro afirmou que a Lei Federal nº 9.313/96 garante o acesso aos medicamentos antirretrovirais pelo SUS para todas as pessoas acometidas pela doença. A Constituição indica os valores a serem priorizados, corroborada pelo disposto nas Leis Federais 8.080/90 e 8.142/90. Tais determinações devem ser seriamente consideradas quando da formulação orçamentária, pois representam comandos vinculativos para o poder público. Quanto à alegação da União de lesão à economia pública pelo fato de ter que fornecer um remédio ao paciente soropositivo, o Ministro registrou que a União, apesar de alegar lesão à economia pública, não comprova a ocorrência de dano aos cofres federais, limitando-se a requerer a aplicação do princípio da reserva do possível. Por outro lado, inexistentes os pressupostos contidos no art. 4º da Lei no 8.437/1992, verifico que a ausência do fornecimento do medicamento solicitado poderá ocasionar graves e irreparáveis danos à saúde e à dignidade de vida do paciente. Acerca do efeito multiplicador, o Ministro arrematou sua decisão dizendo: A alegação de temor de que esta decisão sirva de precedente negativo ao Poder Público, com possibilidade de ensejar o denominado efeito multiplicador, também não procede, pois a análise de decisões dessa natureza deve ser feita caso a caso, considerando-se todos os elementos normativos e fáticos da questão jurídica debatida. Nesse sentido, ressalte-se que a Farmacêutica e Bioquímica Christiane Effting Kling Donini – funcionária do Ambulatório DST/AIDS Blumenau – informou que não havia notícia de requisições por parte de outros pacientes dos medicamentos Intelence (etravirine) e Isentress (Raltegravir)."
Como revelou o <b>Estadão</b> nesta terça-feira, 6, o currículo de Marques inclui uma série de informações insustentáveis. O desembargador diz ter feito um curso de pós-graduação pela Universidad de La Coruña, na Espanha, o qual não é confirmado pela própria instituição. "Informamos que a Universidade de La Coruña não ministrou nenhum curso de pós-graduação com o nome de Postgrado en Contratación Pública", declarou a universidade, em resposta ao Estadão.
Indicado por Bolsonaro para assumir a vaga do Supremo Tribunal Federal deixada pelo ministro Celso de Mello, Marques tem procurado se blindar das acusações, em encontros prévios com parlamentares, membros do governo e do próprio STF, sendo publicamente apoiado por Gilmar Mendes e Dias Toffoli. O governo tem reafirmado seu apoio à confirmação de Marques para a vaga, mas as acusações que pesam sobre seu currículo colocam o desembargador em situação extremamente delicada. O cargo no STF não exige tais formações acadêmicas, mas condiciona suas nomeações à carreira ilibada de que esteja disposto a assumir o posto na mais alta corte do País.