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Distantes do título, Estácio e União da Ilha abrem Carnaval sem patrocínio no RJ

A primeira etapa dos desfiles do Grupo Especial do Rio foi aberta por escolas sem chances de vitória, com apresentações medianas. A Estácio de Sá, que iniciou a noite na Sapucaí, tinha um bom samba, em homenagem a São Jorge, e se apoiou nele para ganhar o público ainda frio do Sambódromo. Acabou pecando pela falta de inventividade – as fantasias eram repetitivas e não trouxeram elementos novos ao repertório do carnaval carioca.

A União da Ilha fez um desfile alegre e colorido sobre os Jogos Olímpicos do Rio, que serão realizados em agosto, com foco no jeito de ser do cidadão carioca, o anfitrião do evento. Mas as referências eram muito literais, sem ousadia criativa.

São Jorge abençoou a volta da Estácio de Sá ao Grupo Especial, do qual a tradicional agremiação – ela é considerada a primeira escola de samba do Brasil, por ser herdeira da Deixa Falar, fundada em 1928 – saiu em 2007. A trajetória do mártir católico marcou o retorno do carnavalesco Chico Spinosa ao Rio, depois de uma temporada de cinco anos exclusivamente no carnaval da capital paulista. Para fugir de polêmicas com a Igreja Católica, que deu apoio à escola, Spinosa preferiu não tratar do sincretismo religioso e deixou Ogum de fora da avenida. São Jorge foi retratado como ícone dos católicos, dos anglicanos e dos ortodoxos. “Fiz uma procissão”, ele definiu.

Apenas com os recursos distribuídos igualmente a todas as escolas do Grupo Especial pela Prefeitura e a Liga das Escolas de Samba (R$ 6 milhões), sem patrocínio, Spinosa e os carnavalescos Amauri Santos e Tarcísio Zanon precisaram lançar mão de soluções alternativas. A peruca de anjos foi feita de palha de aço pintada de dourado; plástico bolha virou espuma de dragão; buchas vegetais compuseram a pele do leão, símbolo da agremiação, que ganhou asas, a levá-lo à Capadócia, origem do soldado romano que viria a ser sagrado São Jorge.

A comissão de frente, a cargo do coreógrafo Marco Moura, fez bonito. O enorme cavalo branco de São Jorge foi manipulado por bailarinos vestidos de anjo, como uma marionete gigante. O cavalo se abaixava, numa reverência ao público, fechava os olhos e “cavalgava” pela avenida. São Jorge também acenou para seus devotos. Anjos e demônios se enfrentavam numa luta. E esses demônios unidos se transformavam no corpo do dragão.

O monstro que travava embate com São Jorge também foi representado na fantasia da rainha de bateria, Luana Bandeira. A dançarina fez aulas de circo por dois meses com o professor Fabio Melo para poder cuspir fogo em plena avenida, incorporando o dragão dourado que tentou derrotar São Jorge. A performance de Luana acabou sendo vetada por bombeiros, por razões de segurança.

Logo ao entrar na Sapucaí, a Estácio enfrentou dificuldades: as duas partes do primeiro carro não se acoplaram e se abriu um buraco na avenida. O problema ocorreu antes da primeira cabine de jurados, o que pode evitar que a escola seja prejudicada pela falha na contagem de pontos. O desfile não apresentou grandes novidades e pode levar a escola de volta à Série A, a segunda divisão do carnaval carioca.

O desfile foi carregado de simbolismo para Spinosa, que voltou à escola que o consagrou, em 1992, com o vitorioso enredo “Paulicéia Desvariada – 70 anos de Modernismo”. O carnavalesco, que é também comentarista de televisão, fez seu último desfile no Rio na Estácio, em 2010. Desde então trabalhou em agremiações paulistanas, como a Vai-Vai e a Unidos de Vila Maria.

“Voltar para o Rio é assustador. Quando eu ganhei em 1992, era um jovem; hoje tenho 64 anos. Acredito muito nesse enredo, é genial. Trabalhamos sem patrocínio, só com pequenas colaborações”, contou. “Quem sabe não consigo repetir o feito do ano 2000, quando a Unidos da Tijuca subiu do Acesso, e ficou em quinto lugar? Tenho certeza de que São Jorge está nos apoiando.”

A União da Ilha pouco inovou no desfile em que apresentou o Rio aos deuses do Olimpo grego. A dupla de carnavalescos Paulo Menezes e Jack Vasconcelos trouxe uma sucessão de tipos cariocas, como o vendedor de mate e biscoito de polvilho da praia, o ambulante que oferece bexigas às crianças nos parques, os praticantes de musculação ao ar livre. No entanto, as fantasias foram pouco inventivas, o que cansou o público.

A comissão de frente foi um trunfo: sete atletas cadeirantes da equipe Santer Rio Rugby e um bailarino também sobre cadeira de rodas representaram guerreiros e fizeram uma performance vigorosa e emocionante, que mereceu muitos aplausos. O coreógrafo Patrick Carvalho treinou quatro meses com o grupo.

A equipe – que aguarda convocação para as Paraolimpíadas, que se seguirão aos Jogos Olímpicos – foi acrescida do bailarino da Associação Niteroiense de Deficientes (Andef) Felipe Berty. Ele já é veterano na avenida. Desfilou seis vezes na comissão de frente dos Embaixadores da Alegria, grupo que abre a Sapucaí na noite das escolas campeãs, no sábado pós-carnaval. “Isso é bem mais difícil do que jogar. Dançar não é o nosso forte”, brincou o atleta Daniel Gonçalves, que contou aguardar ainda convocação para a Paraolimpíada.

Esportes olímpicos como judô, ciclismo, futebol e basquete foram representados. O surfista Rico de Souza, a jogadora de vôlei Fabi e a treinadora Georgette Vidor desfilaram. O maratonista Vanderlei Cordeiro saiu à frente dos integrantes levando uma representação da tocha olímpica. A escola fez dois carros com alegorias humanas, um representando o movimento das ondas do mar e outro, os adeptos do voo livre que sobrevoam o Cristo Redentor. O símbolo maior do Rio abriu seus braços sobre a avenida. Mas esse tipo de efeito não surpreende mais o Sambódromo, a não ser que seja apresentado de maneira espetacular. Este não foi o caso da Ilha.

Este carnaval é marcado pela falta de patrocínio de empresas e órgãos estaduais e municípios de estados e cidades homenageados direta ou indiretamente. Mas aos olhos do prefeito do Rio, Eduardo Paes, “na Sapucaí não tem crise nunca”. “Minha impressão é que nunca vi um carnaval tão bem arrumado, tão bonito como esse. É o mais bonito de todos”, exagerou, após assistir da pista a parte do desfile da Estácio de Sá.

Usando uma bota ortopédica devido a uma fratura sofrida no pé, Paes confraternizou com integrantes da escola, pulou num pé só e beijou a bandeira da agremiação carregada pelo casal de mestre-sala e porta-bandeira. Ele está em seu último carnaval como prefeito. “Estou feliz e triste. Vai acabar, mas está bom. A Sapucaí está linda, com vibração e luxo”.

Pouco antes do início dos desfiles, havia grande quantidade de cambistas no entorno do Sambódromo. Quem deixou para a última hora a compra do ingresso encontrou bilhetes a até dez vezes o preço vendido oficialmente. Um cambista explicou que os ingressos mais caros são os de hoje – a procura é maior, uma vez que as escolas com grande torcida e histórico de vitórias estão concentradas neste noite: Portela, Salgueiro, Imperatriz, Mangueira e Vila Isabel, além da São Clemente. A arquibancada dos setores populares, que custa R$ 10, está sendo vendida a R$ 100.

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