A mezzo-soprano letã Elina Garanca é um bom exemplo do que se poderia definir como uma diva para tempos modernos. Nos últimos dias, em suas redes sociais, ela pôde ser vista caminhando na chuva, testando a acústica do Teatro Colón de Buenos Aires, experimentando sapatos para dançar tango ou encarando um belo churrasco portenho.
A passagem por Buenos Aires faz parte de uma turnê latino-americana que, neste sábado, 22, e segunda, 24, tem sua parte brasileira, com dois concertos na Sala São Paulo ao lado do maestro Constantie Orbelian e da Orquestra Acadêmica do Mozarteum Brasileiro. No programa, árias de óperas e canções de seu novo disco, Sol y Vida, mistura de peças clássicas e populares escolhidas a dedos para acompanhar a sua turnê.
O tom bem-humorado e despachado de suas postagens ela mantém na entrevista. Em especial quando lembra do início de sua carreira. “Falhei em tanta coisa na vida que já estava quase sem opções. Mas, para minha surpresa, o canto funcionou. Ainda bem, porque não sei o que mais eu poderia ter feito. Não estou brincando. A juventude foi um momento de incertezas. Porque, quando você começa, alimenta a ilusão de estar um dia nos grandes teatros, mas rapidamente se dá conta de que não há como saber se vai dar certo.”
O trem, ela completa, deixa a plataforma muito rapidamente. Com ou sem você.
Mas a ilusão de Elina Garanca tornou-se rapidamente realidade. No começo, após completar a primeira parte de seus estudos em Riga, ela mudou-se para a Alemanha, onde integrou o elenco estável de uma pequena companhia, em Meiningen. Mas foi rapidamente descoberta. Passou a colecionar papéis importantes nas principais casas de ópera do mundo, que hoje a disputam. Na última temporada, abriu a agenda do Metropolitan de Nova York em Sansão e Dalila. E um crítico definiu os poucos minutos da famosa ária da personagem, Mon coeur souvre a ta voix, como um “momento de encantamento no qual tudo o que conhecemos é aquela voz; e isso é tudo o que precisamos conhecer”.
Dalila estará no programa que canta em São Paulo, assim como árias de ópera italiana e canções como Granada. É uma combinação que, de certa forma, emula seus discos, nos quais ela costuma aproximar faixas célebres com repertórios pouco usuais. “Meu grande inimigo é o tédio. Se fico entediada, tendo a fazer as coisas de qualquer jeito, e isso nunca é bom”, diz. “E penso também no público, sabe? É claro que as pessoas querem ouvir aquilo que conhecem, suas árias favoritas, mas sempre imagino que em um concerto pode haver espaço para algo novo, surpreendente. Em concertos, gosto dessa variação, ainda que saiba que, nos palcos de ópera, vou seguir vivendo personagens como Dalila ou Carmen”, completa.
A elas Garanca chegou não faz muito tempo. Seu início esteve relacionado à música barroca de Händel e Vivaldi, a Mozart, e aos autores do chamado bel canto, Rossini, Donizetti, Bellini. Mas, com o tempo, ela conta que a voz foi pedindo mudanças, em direção a papéis mais pesados e dramáticos, a começar pela cigana Carmen, na ópera de Bizet.
“Peguei a partitura e pensei: de que jeito dá para cantar esse papel?. E a resposta é que teria de ser do meu jeito. Minha voz sempre será lírica, ainda que com um toque dramático. O caminho, portanto, era esse”, ela explica, revelando a maneira como entende o papel. “A sociedade não sabe lidar com o feminino, ainda hoje. Para mim, personagens como Carmen, apesar do destino trágico, não são nunca vítimas, e esse é o ponto. No mais, o que me interessa é encontrar nelas essa força e, ao mesmo tempo, a vulnerabilidade que as define. O desejo de liberdade não pode significar que elas são más ou puramente duras, incapazes de sentir.”
A voz, não há dúvida, é que, de fato, decide para onde o repertório da mezzo-soprano vai seguir. Mas ela deixa muito claro que sua escolha de papéis tem a ver, acima de tudo, com suas opções pessoais. “Estamos falando do meu futuro. Daqui a pouco completo 50 anos, o que alguém tem a ver com o que eu faço? Faço o que quero.”
E, atualmente, ela se prepara para novos desafios, em especial a Amneris, na Aida, de Verdi, e Kundry, em Parsifal, seu primeiro Wagner. “O gênio de Verdi tem a ver com o fato de que ele oferece ao intérprete a chance de criar, de fato, um personagem. E, como ele é honesto com a voz, como quer o cantor confortável, nunca abusa. É trabalho duro, não há dúvida, mas ele dá chance de a voz brilhar”, acredita.
Outros planos têm a ver com o repertório de canções. Mahler, fetiche entre intérpretes de sua geração, não está entre seus favoritos – quando você canta Mahler, ela diz, é preciso ter coragem de fazer o tempo parar, “porque é disso que se trata”, mas particularmente “prefiro às vezes ir direto ao ponto”.
ELINA GARANCA
Sala São Paulo. Pça. Júlio Prestes, s/n, tel. 3777-9721.
Hoje (22) e segunda (24), às 21h. Ingressos: R$ 420 / R$ 1000.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.