O 25º álbum de carreira de Djavan, que chega às plataformas digitais nesta sexta, 12, foi batizado de D (Luanda Records/Sony Music). O músico, que recebeu a reportagem do Estadão em sua casa, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, faz questão de afastar qualquer enigma em relação ao título.
A ideia foi do diretor de arte Giovanni Bianco – que já trabalhou com nomes como Madonna, Anitta e Ivete Sangalo. Djavan logo acatou. "O que é diferente eu gosto sempre", justifica o cantor. Em D, Djavan quer afastar os tempos sombrios trazidos por pandemia, guerras e brigas políticas. O primeiro single, Num Mundo de Paz, diz muito sobre isso. Iluminado, o folk que ele gravou com filhos e netos, fala sobre "sorrir para não cair em cilada". Com Milton Nascimento, ele canta em defesa das matas, florestas, dos rios, animais e indígenas.
Há muito sobre amores, feitos e desfeitos. Tudo ao estilo Djavan – com jazz, funk, pop e samba, entre ritmos que ele faz questão de misturar perseguindo uma diversidade musical que entendeu como possível ainda menino. "A minha grande batalha foi impor o meu jeito de ser. Uma música que todo mundo dizia ser estranha", confessa Djavan, aos 73 anos, sobre o início da carreira.
Em setembro, ele começa os ensaios para a turnê D, que estreia em março, em Maceió. Antes, porém, ele se apresenta no Rock in Rio e no Coala Festival, em São Paulo, com um show só de hits.
<b>Você chamou músicos que tocaram em diferentes fases de sua carreira. Procurava uma sonoridade mais plural?</b>
Isso deu ao disco uma pegada musical distinta. Muitos eu não via havia algum tempo. Não é só o resultado sonoro. É a convivência no estúdio, são as risadas que a gente dá – eu rio muito nas gravações.
<b>Para esse álbum, você foi fazer parte das letras em sua casa de praia em Alagoas. Isso influiu no resultado?</b>
Esse disco é solar, luminoso. O mar deve ter ajudado. Ele contribuiu com minha intenção primordial, fazer um disco para cima. Uma ode à esperança. Uma aposta em um futuro de paz, de luz, para todos. Queria sair do obscurantismo da pandemia e dos novos tempos.
<b>Iluminado, faixa folk que você canta com seus cinco filhos, fala bem disso, não?</b>
Fiz um pedaço dela na praia, com o ukulele de minha filha. Pela primeira vez reuni a família em uma gravação. É um momento de "xô negatividade!".
<b>No passado, você disse que "o amor é azulzinho" (em Azul, de 1982). Neste álbum, você fala em "o anil do amor" (em Num Mundo de Paz). Que azul é esse?</b>
Desde a época do pastoril, lá no Nordeste, que consagra as cores azul e vermelha, eu descobri que minha cor era o azul. Anos depois, coloquei essa cor como sendo do amor, da harmonia, do abraço. E o vermelho é a da paixão, que é intensa, mas que se esvai.
<b>Na canção Sevilhando, você fala em sândalo, camomila, lavanda e vanilla para enfrentar o viver. São sensações que o ajudam, assim como as cores?</b>
Esses aromas todos têm a ver com Sevilha e Alagoas. O amor pela música negra e andaluz. Eles vieram de maneira tão natural, com uma aura de imagem mesmo. Achei que o resultado ficou inusitado.
<b>Esses aromas estão ligados à espiritualidade também?</b>
Tudo está ligado à espiritualidade. Com a minha ancestralidade que passa pela coisa moura, por isso a Andaluzia, dos árabes. E à minha negritude, que passa pelo candomblé, na qual fui inserido pela minha família, mesmo vivendo o catolicismo. Depois que fui à África, entendi por que minha música é assim.
<b>Em Sevilhando há um verso em que você diz que "Sevilha plantou/Na Alagoas nata/Um fiel servidor". Está aí o enigma do estilo Djavan, que mistura pop, jazz, música negra, funk?</b>
Me lembro que, aos 13 anos de idade, passei a frequentar a casa de um amigo cujo pai tinha uma discoteca que abrangia tudo o que se fazia no mundo. Ali ouvi música africana, brasileira, francesa, italiana, jazz, R&B. Adorava perceber o que distinguia um gênero do outro, eu queria ser o cara da diversidade, que vê tudo. Minha música passou a ser conduzida por esse olhar. Até hoje é assim.
<b>Essa canção também traz o verso "o negro nosso trigo", que remete a Soweto (1987). Como você vê hoje a questão do racismo?</b>
A evolução é a gente ver esse assunto mais exposto na mídia, cobrar das autoridades o combate a essa questão. O racismo está enraizado na sociedade brasileira. Se o sujeito é negro, vai sofrer racismo a vida inteira. O racismo de hoje não é o mesmo de 40 anos atrás, mas é tão racismo quanto antes. O negro é um dos alimentos da nossa cultura. O que ele faz nas artes, na sua maneira de se vestir e de ver o mundo.
<b>Outro verso dessa música é "Deus é quem dá o caminho/Mas as pernas são as suas". Quais foram as grandes batalhas da sua vida?</b>
Na profissão, a minha grande batalha foi impor o meu jeito de ser. Uma música que todo mundo dizia ser estranha. Falavam que eu tinha talento, mas complicava demais. Eu não sabia o que isso queria dizer. Não sabia como simplificar algo que, para mim, era simples. Era difícil ter de conviver com esse tipo de crítica.
<b>No fim, todo mundo canta suas músicas…</b>
Pois é, não eram tão estranhas assim (risos).
<b>Como você pensou em Milton Nascimento para a canção Beleza Destruída?</b>
Somos tímidos e nunca nos aproximamos muito. Minha ideia inicial era fazer uma música juntos. Ele faria a música e eu, a letra. Mas isso não aconteceu. Eu fiz, então, a música, pensando nesse tema que sempre defendemos – a valorização da natureza, da água, da floresta, dos índios. Ele adorou.
<b>Há um depoimento recente de Caetano Veloso em que ele fala da sua canção Açaí (1982), de como você colocou a palavra no feminino, sobre a grande defesa que você, com isso, fez do meio ambiente.</b>
Ele está certo. Quando escrevi "açaí, guardiã" fui criticado por isso. Coloquei no feminino não só por ser uma fruta, mas para mostrar que o açaí é a mãe daquela Região Norte. Ele possibilita a subsistência de pessoas que não têm dinheiro para comprar comida.
<b>No ano passado, você postou vídeo nas redes sociais para desmentir um suposto apoio ao presidente Jair Bolsonaro. O que ficou disso para você?</b>
Eu não tinha outra opção a não ser dizer o que de fato ocorreu. Eu não apoiei o governo Bolsonaro, não votei nele. É desagradável ser colocado em uma posição que não é a sua.
<b>Você fez para a Gal o samba Dentro da Lei. </b>
Fiz, ela gravou, mas estou devendo uma música para a Gal na qual ela possa se sentir melhor. O samba ficou meio escondido no disco dela. Gal é talvez uma das cantoras que mais gravaram músicas minhas e tenho uma gratidão imensa por isso.
<b>Os intérpretes ainda pedem música como antes?</b>
Pedem. A turma jovem também tem pedido. Mas muitas vezes não consigo atender, por conta do meu trabalho.
<b>Você parece muito feliz no palco… </b>
O palco sempre me deu grande alegria. A desenvoltura no palco foi ocorrendo aos poucos. Primeiramente, larguei o pedestal, botei um banquinho. Depois, fiquei em pé, microfone na mão e comecei a me mexer. A música me impulsionava, o público ajudou a fazer da dança uma cena para o show. Não garanto que isso vá existir sempre.
<b>Nas canções não há qualquer timidez.</b>
Aí é a alma que fala e eu não tenho nada com isso (risos).
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>