O risco fiscal voltou a dar as cartas no mercado de câmbio doméstico na tarde desta sexta-feira, 27, e levou o dólar à vista a ultrapassar novamente a marca de R$ 5,00. Falas do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, admitindo a possibilidade de déficit primário em 2024, na contramão do previsto pelo arcabouço fiscal e defendido reiteradamente pela equipe econômica, levaram a uma deterioração dos ativos domésticos.
Em queda firme pela manhã e no início da tarde, em sintonia com as perdas da moeda americana na comparação a divisas emergentes, o dólar ganhou força rapidamente e não apenas trocou se sinal como correu até a máxima a R$ 5,0191 na segunda etapa de negócios. Pela manhã, a divisa havia registrado mínima a R$ 4,9317 e, por volta das 14 horas, rondava os R$ 4,97.
É verdade que houve uma deterioração do apetite ao risco no exterior à tarde, com piora das Bolsas em Nova York e avanço do petróleo, mas o dólar seguiu com sinal predominante de queda no exterior, em especial em relação aos pares latino-americanos do real e o rand sul-africano. Apesar do agravamento das tensões no Oriente Médio, o mercado de moedas ainda ecoava a perspectiva de que o Fed mantenha a taxa de juros inalterada na semana que vem, após dados mistos de inflação e renda pessoal nos EUA divulgados pela manhã.
Por aqui, o dólar à vista encerrou o dia em alta de 0,46%, cotado a R$ 5,0131. Na semana, a moeda ainda acumula baixa de 0,36%. Levando em conta que a divisa chegou a superar R$ 5,05 na semana passada, o valor de fechamento desta sexta significa uma mudança relevante do nível da taxa de câmbio. Operadores observam, contudo, que a arrancada da moeda à tarde foi súbita e expressiva.
"Vi um grade volume de importadores à tarde aproveitando a baixa da moeda mais cedo. Mas foram as declarações de Lula que acabaram tirando o ânimo do mercado, que tinha comemorado pela manhã a divulgação do superávit das contas públicas em setembro. Lula desautorizou Haddad", afirma o analista Elson Gusmão, da corretora Ourominas, em referência ao superávit primário de R$ 11,548 bilhões do Governo Central no mês passado.
Em encontro com jornalistas, Lula disse que, embora saiba "das vontades de Haddad", dificilmente o governo chegará "à meta de zero". Lula indagou: "Se o Brasil tiver o déficit de 0,5% ou 0,25%, o que é?". E respondeu: "Nada".
O presidente ainda disse que "muitas vezes o mercado é ganancioso demais" ao cobrar cumprimento de metas. "Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo um corte de bilhões nas obras que são prioritárias nesse País", disse.
Analistas já viam o objetivo de zerar o déficit primário em relação ao PIB em 2024 com cerca descrença, mas ressaltavam que os esforços do ministro da Fazenda para tapar o rombo, apesar do chamado "fogo amigo" da ala política do governo, davam credibilidade ao arcabouço fiscal. Diversos economistas ouvidos por repórteres do <i>Broadcast</i> (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) ao longo da tarde viram a fala de Lula com um sinal de enfraquecimento de Haddad e disposição para ampliar os gastos.
Para sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, as declarações do presidente equivalem a "dizer que a regra fiscal não vale nada" e revelam "um tremendo desprestígio ao trabalho" do ministro da Fazenda, que busca, ao lado do Congresso, ampliar as receitas e defende "a meta zero como um mecanismo de convergência entre as políticas monetária e fiscal".
Pela manhã, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, havia negado que o governo cogitasse mudar a meta fiscal. "A análise mais macro de 2024 está em curso, mas nada muda na busca por déficit zero", disse. O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, Danilo Forte (União Brasil-CE), engrossou o coro dos economistas e disse que as falas de Lula sobre a meta fiscal causam constrangimento ao ministro da Fazenda.