O dólar disparou ao longo da tarde e superou a barreira psicológica de R$ 5,70, encerrando o dia no maior valor de fechamento desde fins de dezembro de 2021. As divisas emergentes latino-americanas foram as que mais sofreram com a onda de aversão global ao risco deflagrada por temores de desaceleração mais forte da economia americana e, em menor medida, pelo avanço das tensões geopolítica no Oriente Médio. O real apresentou as piores perdas entre as principais moedas, seguido por um de seus pares, o peso chileno.
Após o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, abrir a porta ontem para início de corte de juros em setembro, investidores hoje receberam dados sugerindo perda de fôlego maior da atividade nos EUA. O índice de gerente de compras (PMI, na sigla em inglês), medido pelo ISM, caiu em julho, na contramão da previsão de alta, e se manteve abaixo da linha de 50 pontos, o que sugere contração. Os números de pedidos semanais de auxílio-desemprego subiram mais do que as expectativas.
A leitura de economia aquecida e resiliência inflacionária deu lugar ao temor de uma desaceleração econômica abrupta, com até eventual recessão nos EUA. Não à toa o Banco Central americano, embora tenha repetido ontem que precisa de maior confiança no processo de desinflação para reduzir os juros, alertou que está atento a riscos para os dois lados de seu mandato duplo: controle de inflação e pleno emprego.
Lá fora, as bolsas americanas despencaram, com tombo das big techs, as taxas dos Treasuries recuaram e a moeda americana ganhou força na comparação com o euro e a maioria das divisas emergentes e de países exportadores de commodities. O iene subiu mais um degrau na comparação com o dólar, o que pode ter contribuído para a depreciação mais aguda de divisas latinas. O petróleo recuou com receio de enfraquecimento da demanda se sobrepondo a riscos à oferta vindos de possível conflito entre Israel e Irã.
Com máxima a R$ 5,7430, o dólar à vista encerrou a sessão em alta de 1,41%, cotado a R$ 5,7350 – maior valor de fechamento desde 21 de dezembro de 2022 (R$ 5,7388). Principal termômetro do apetite para negócios, o contrato de dólar futuro para setembro teve giro forte, acima de US$ 17 bilhões, o que sugere mudanças relevantes de posicionamento. Operadores citaram busca por hedge e ordens de "stop loss" de agentes que carregam posições vendidas em derivativos cambiais.
"Há um movimento global de aversão ao risco que ganhou impulso forte hoje, sobretudo após indicador industrial mais fraco nos EUA e na China. Alguns indicadores estão apontando para uma desaceleração mais forte da economia mundial, o que leva a uma reprecificação dos ativos financeiros", afirma o economista-chefe do Banco Pine, Cristiano Oliveira, ressaltando que o índice VIX – conhecido com termômetro do medo – disparou e atingiu os maiores níveis desde abril.
O quadro externo deixou em segundo plano a reação ao comunicado da decisão de ontem do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a taxa Selic em 10,50% ao ano. A avaliação da maioria dos economistas foi a de que, apesar de vir menos duro que o esperado, o comunicado abriu uma fresta para uma eventual alta da taxa Selic caso haja piora do câmbio e deterioração maior das expectativas de inflação.
Para Oliveira, o comunicado trouxe um tom mais duro do que os anteriores, com aumento das projeções para o IPCA de 2024 e 2025 e dos riscos de alta da inflação. Apesar de adotar uma postura cautelosa, o comitê não sinalizou alta de juros em sua próxima reunião e parece ter como plano de voo manter a Selic em 10,50% por período prolongado, avalia.
O economista do Pine não vê motivos para uma alta dos juros por aqui mesmo com a depreciação do real, uma vez que a tendência é de queda das taxas globais. "O mercado já começa a aumentar a precificação de corte de 50 pontos-base nos EUA em setembro", observa Oliveira, ressaltando que um retorno da visão de soft landing da economia americana pode beneficiar divisas emergentes, como o real.