O anúncio de uma nova proposta para resolver o problema dos precatórios, costurada em encontro dos presidentes das Casas Legislativas com ministro da Economia, Paulo Guedes, abriu espaço para uma rodada de apreciação do câmbio na sessão desta terça-feira, 21.
O dólar já abriu em leve queda e trabalhou em terreno negativo ao longo da manhã, em meio à recuperação dos mercados internacionais das perdas expressivas de ontem, no auge dos temores da eventual insolvência da incorporadora chinesa Evergrande. A cautela diante dos futuros desdobramentos para a economia chinesa e, por tabela mundial, do caso Evergrande – aliada à expectativa pela decisão de política monetária do Federal Reserve – limitava, contudo, o fôlego dos ativos de risco e, por tabela, do real.
O enfraquecimento mais agudo do dólar por aqui sobreveio no início da tarde, em meio a declarações do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e de Guedes dando conta de uma nova solução para o imbróglio dos precatórios que, em tese, concilia o pagamento das dívidas e o reajuste do Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil, com o respeito ao teto de gastos.
Renovando sucessivas mínimas ao longo da tarde, o dólar chegou até a furar o piso de R$ 5,26, mas acabou recuperando parte do fôlego no fim da sessão e – após correr entre mínima de R$ 5,2633 e máxima de R$ 5,3372 – fechou em queda 0,84%, a R$ 5,2863. Com isso, a valorização acumulada em setembro caiu para 2,21%.
"Essa demonstração de entrosamento entre o Legislativo e Executivo nessa questão dos precatórios tira uma preocupação mais forte do mercado em relação ao teto de gastos, que vinha pressionando muito o câmbio", afirma Reginaldo Galhardo, gerente de câmbio da Treviso Corretora, que vê espaço para o dólar recuar ainda mais e até buscar os R$ 5 caso não haja surpresas desagradáveis em Brasília. "Lá fora, é preciso ver essa questão do fantasma da Evergrande e como o mercado vai reagir ao início da redução de estímulos pelo Fed, que deve ser bastante gradual."
A solução para os precatórios costurada pelo trio Lira-Pacheco-Guedes prevê a retirada do teto de gastos de cerca de R$ 50 bilhões em dívidas judiciais que seriam pagas em 2022. Isso seria possível com a adoção do expediente de corrigir o montante pago com precatórios em 2016, ano em que foi instituído o teto de gastos, e travar o pagamento das dívidas judiciais de acordo com esse valor, que seria algo entre R$ 39 bilhões e R$ 40 bilhões.
Ao adotar essa regra, o restante dos 89,1 bilhões que teriam de ser honrados em 2022 ficaria "alheio ao limite do teto" e poderia ser transferido para 2023. Haveria espaço, portanto, para acomodar o Auxílio Brasil – que neste ano será bancado pelo aumento temporário do IOF – no Orçamento de 2022.
Pacheco disse que a proposta "não é calote e também não é o parcelamento" previsto na PEC original do ministério da Economia, mas "uma prorrogação". Além da resolução do problema dos precatórios, também há expectativa de avanço da reforma do Imposto de Renda no Senado, já que o governo conta com a arrecadação com tributação de dividendos para ajudar a bancar o Auxílio Brasil.
A economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack, observa que, a despeito da reação positiva do mercado, a solução proposta é apenas um remédio paliativo para o Orçamento de 2022. "Essa tratativa é positiva e reduz um pouco a percepção de risco fiscal para o próximo ano, o que traz um alívio em um primeiro momento. Mas acaba jogando o problema para 2023 e há o risco de um efeito bola de neve", diz Abdelmalack, alertando que a taxa de câmbio ainda muita volatilidade.
No exterior, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a seis moedas fortes – operou em leve queda, na casa dos 93100 pontos. O dólar teve um desempenho misto em relação a divisas emergentes e de países exportadores de commodities, que tendem a ser mais afetados em caso de uma desaceleração maior do crescimento chinês por conta da insolvência da Evergrande.
A grande expectativa nas mesas de operação é pelo comunicado da decisão de política monetária do Fed, com eventual anúncio de data de início da redução de compra de bônus (tapering), e, em especial, pela atualização das projeções econômicas e de elevação dos juros dos integrantes do BC americano.
O presidente do Fed, Jerome Powell, afirmou, no Simpósio de Jackson Hole, no fim mês passado, que o tapering não está diretamente ligado ao processo de alta de juros, esperado atualmente para 2023.
Abdelmalack lembra que uma alteração da expectativa de início de aperto monetário para 2022 pode levar a um fortalecimento do dólar. A tendência global de apreciação da moeda americana por aqui pode ser amenizada, contudo, por uma taxa Selic mais elevada.
A expectativa da maioria do mercado é que o Copom anuncie amanhã uma elevação da Selic em 1 ponto porcentual, para 6,25% ao ano. Haveria novas elevações ainda neste ano e, quiçá, no início de 2022, levando a taxa básica para patamar superior a 8%. "Isso pode trazer fluxo de investimento estrangeiro para cá e propiciar uma valorização da nossa moeda", afirma a economista-chefe da Veedha.