Estadão

Dólar cai 1,42% com tom ameno do Fed e PEC dos Precatórios no radar

A possibilidade real de votação da PEC dos Precatórios na Câmara dos Deputados hoje à noite e, especialmente, o tom ameno do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, desautorizando apostas em alta dos juros nos EUA no primeiro semestre de 2022, derrubaram o dólar na sessão desta quarta-feira, 3.

O movimento de apreciação do real, contudo, não foi linear. Nas primeiras horas de negócios, o dólar trocou algumas vezes de sinal e chegou a se aproximar de R$ 5,70, ao registrar máxima a R$ 5,6990 (+0,51%). Isso a despeito do tom duro da ata do Copom, que chancelou a perspectiva de taxa Selic em dois dígitos no fim do atual ciclo de aperto monetário.

Já no fim da manhã, a moeda americana perdia força por aqui, movimento atribuído por operadores a fluxo comercial e realização de lucros. No início da tarde, as perdas se acentuaram, com o dólar tocando a casa de R$ 5,60, em meio à informação de que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), havia convocado sessão da Câmara dos Deputados para 18h, com o objetivo de votar a PEC dos Precatórios.

As mínimas da sessão, com a moeda americana não apenas furando o piso de R$ 5,60 como passando a ser negociada momentaneamente na casa de R$ 5,57, vieram com o enfraquecimento global do dólar, na esteira de declarações de Powell, em entrevista coletiva após o Fed anunciar o início do "tapering", com redução do volume mensal de compra de títulos em US$ 15 bilhões.

A leitura predominante é que o tom da fala de Powell foi "dovish". Embora o "tapering" possa terminar em meados de 2022, o presidente do BC americano disse que há espaço para os integrantes do Fed serem "pacientes com a taxa de juros". Powell afirmou também que vai continuar a apoiar à recuperação da economia e que ainda há um longo caminho a percorrer para atingir a meta de pleno emprego nos EUA, um dos objetivos da instituição. Tudo temperado, como sempre, por ressalvas de que o Fed pode modular suas ações de acordo com os indicadores econômicos.

O sócio e economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, observa que houve uma mudança recente na precificação do mercado futuro em torno da alta de juros nos EUA. Há cerca de dois meses, o mercado espelhava chance de 50% de elevação dos juros em novembro e dezembro. "Nas últimas semanas, essa precificação tinha mudado, com mais de 50% de chance de alta em junho. De certa forma, o Fed reduz essa expectativa novamente, sinalizando implicitamente que só vai subir os juros no segundo semestre", diz Velho, acrescentando que isso tira um pouco de pressão da taxa de câmbio.

Após a fala de Powell, o índice DXY – que mede a variação do dólar frente a seis moedas fortes – passou a trabalhar em queda, abaixo dos patamar do 94,000 pontos. Divisas emergentes pares do real, o peso mexicano e o rand sul-africano, que perdiam força, trocaram de sinal e passaram a operar com ganhos firmes frente à moeda americana.

Por aqui, o dólar à vista chegou a tocar na casa de R$ 5,57, ao descer até a mínima de R$ 5,5782 (-1,62%). Com leve desaceleração na reta final do pregão, a moeda encerrou o dia em queda de 1,42%, cotada a R$ 5,5897.

Estrategista da Davos Investimentos, Mauro Morelli vê a taxa de câmbio pressionada por forças antagônicas, dado que o cenário externo é positivo, com maior propensão ao risco após o Fed, enquanto o ambiente interno ainda é de muita incerteza. A leitura de Morelli e que o BC americano, com a fala de Powell, sinalizou que não vai subir os juros até o fim do ano que vem.

A manutenção da política monetária frouxa nos EUA, aliada a possibilidade de uma alta mais forte da Selic, se traduz em aumento do diferencial de juros interno e externo. "Isso pode tirar um pouco de pressão do dólar no curto prazo. Mas a volatilidade tende a continuar", diz Morelli, ressaltando que o ambiente econômico ainda é frágil, com inflação alta e perspectiva de crescimento menor do PIB por conta da Selic mais alta. "E vamos ter também no ano que vem o risco da eleição impactando o câmbio".

Em sua ata, o Copom fez uma alusão à mudança no teto de gastos ao afirmar que os "questionamentos em relação ao arcabouço fiscal elevaram o risco de desancoragem das expectativas de inflação". Isso implica, segundo o colegiado, "maior probabilidade para cenários alternativos que considerem taxas neutras de juros mais elevadas". Embora o Copom tenha já sinalizado nova alta da Selic em 1,50 ponto porcentual em dezembro, a maioria dos analistas avalia que o BC deixou aberta a possibilidade de elevação em ritmo ainda maior, cenário que já foi discutido no encontro de outubro.

O mercado acompanha de perto as negociações para votação ainda hoje da PEC dos Precatórios no plenário da Câmara. Embora abra espaço para a mudança da regra do teto dos gastos, em uma manobra com cheiro de contabilidade criativa, a PEC traz alguma luz sobre o que será, de fato, o Orçamento de 2022, ao garantir o financiamento do Auxílio Brasil e, assim, afastar a possibilidade de que o governo prorrogue o auxílio emergencial via créditos extraordinários. Além do novo programa social, há dúvidas sobre como o governo vai encontrar espaço para pagar as dívidas judiciais caso a PEC não vingue. "Diminui um pouco a incerteza, já que tira uma espada importante que estava sobre a cabeça do governo. Mas está longe de resolver os problemas fiscais", afirma Morelli, em referência a eventual aprovação da PEC dos Precatórios.

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