Após fechar setembro com valorização de 5,30% e flertar com o patamar de R$ 5,45, o dólar iniciou o mês outubro em terreno negativo, interrompendo uma sequência de sete pregões seguidos de alta. Nas mesas de operação, o diagnóstico é que o ambiente externo benigno, marcado por avanço dos mercados acionários e enfraquecimento global da moeda americana, abriu espaço para uma correção na taxa de câmbio, embora o clima ainda seja de cautela por causa da questão fiscal doméstica.
Muito castigado nos momentos de maior aversão ao risco, o real nesta sexta-feira liderou os ganhos entre emergentes – desempenho que se deve em parte, segundo operadores, ao menor apetite para especular contra a moeda brasileira, dada a percepção de que o Banco Central está mais vigilante, depois da intervenção da quinta-feira à tarde com a oferta de swaps cambiais.
O recado parece ser de que, caso não haja vendedor de dólares no mercado e a moeda americana entre em um movimento unidirecional, o BC vai intervir. Embora a autoridade monetária diga que atua para evitar disfuncionalidades e não para defender determinado patamar para a taxa de câmbio, comenta-se nas mesas de operação que, dado o nível das expectativas inflacionárias, o BC vai tentar conter qualquer movimento maior de depreciação do real.
Em queda já pela manhã, o dólar à vista aprofundou o movimento de baixa ao longo da tarde, em meio à aceleração das Bolsas em Nova York, que foi acompanhada com Ibovespa. Com mínima a R$ 5,3535 (-1,70%), a moeda americana fechou em queda de 1,42%, a R$ 5,3691. Apesar do tombo nesta sexta-feira, o dólar ainda encerra esta semana em leve alta (+0,47%).
Para o operador Hideaki Iha, da Fair Corretora, o BC deveria ser até mais atuante dar uma referência de taxa de câmbio ao mercado. "Quando o BC atua, o mercado fica mais cauteloso. Se o dólar se aproxima do nível em que o BC costuma entrar, já aparece vendedor e o exportador vem para o mercado, sabendo que não vai conseguir uma taxa mais alta", afirma Iha.
Em sua avaliação, a queda da moeda norte-americana nesta sexta foi um "movimento natural de correção" e não pode ser interpretado como um sinal de nova rodada de apreciação do real. "Nenhum dos nossos problemas fiscais foi resolvido e o cenário externo está bem mais complicado, com o Fed perto de retirar os estímulos e a crise energética na China", diz.
No exterior, o mercado celebrou nesta sexta a notícia do desenvolvimento de um medicamento capaz de reduzir significativamente os riscos de hospitalização e morte pela covid-19, o que diminui os temores de novas variantes do coronavírus possam levar a eventuais lockdowns e agravar a disrupção nas cadeias globais, insuflando ainda mais a inflação.
O índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a seis moedas fortes – trabalhou a maior parte do dia em queda de cerca de 0,20%, no limiar dos 94 pontos.
Por aqui, o mercado monitora as negociações para possível prorrogação do auxílio emergencial (adotado por conta da pandemia da Covid-19) e a tramitação da PEC precatórios e da reforma do Imposto de Renda, ambos tidos como essenciais para a criação do Auxílio Brasil, a versão ampliada do Bolsa Família.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, cometeu um ato falho nesta sexta ao dizer, em evento do Palácio do Planalto, que o ministro da Cidadania, João Roma, iria estender o auxílio emergencial. Diante da repercussão no mercado financeiro, Guedes disse que havia trocado, sem intenção, o Auxílio Brasil (que precisa ser abrigado no teto dos gastos) por auxílio emergencial (que pode ser financiado por crédito suplementar e, portanto, fora do teto).
Em webinar do banco Morgan Stanley, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto reiterou que vai fazer levar a taxa Selic até o nível necessário para atingir a meta de inflação. Segundo Campos Neto, o volume de precatórios de 2022 tirou espaço de manobra do orçamento de 2022 e que "muitas perguntas sobre programa social ainda não foram respondidas", o que provoca apreensão. "Acredito que vamos virar essa página em breve".
Para a economista do Banco Ourinvest Cristiane Quartaroli o mercado segue muito preocupado com as questões fiscais internas, o que torna difícil ver uma tendência de valorização da moeda brasileira. "A queda do dólar hoje esteve ligada muito ao cenário esterno. Os juros dos Treasuries caíram hoje e isso acaba impactando muito nas moedas emergentes", diz Quartaroli, ressaltando que o real tem o melhor desempenho entre os emergentes "por uma questão técnica", já que havia sofrido mais que as demais divisas nos últimos dias.
O Bradesco revisou nesta sexta-feira estimativa para taxa de câmbio para o fim deste ano (de R$ 5,00 para R$ 5,15) e de 2022 (de R$ 5,50 para R$ 5,60). Na avaliação do banco, embora a alta da taxa Selic "venha contendo os fluxos de saída de dólares", a queda dos termos de troca – na esteira de desaceleração da China – a retirada de estímulos monetários nos países desenvolvidos jogam contra o real.
O valor justo da moeda brasileira, segundo o Bradesco, segue abaixo de R$ 5,00, mas o recuo do dólar depende da resolução dos problemas fiscais e redução da inflação.