O combo formado por valorização expressiva dos preços das commodities, expectativa de juros locais ainda mais elevados e possível migração de capitais que estavam alocados em ativos russos para outros países emergentes levou o dólar a se aproximar novamente do piso psicológico de R$ 5,00 na sessão desta quinta-feira, 3. Em queda desde o início dos negócios, a moeda renovou sucessivas mínimas ao longo da tarde e, após descer até R$ 5,0210, fechou em queda de 1,55%, a R$ 5,0280 – voltando a patamares anteriores à eclosão da guerra na Ucrânia. O dólar futuro para abril recuou 1,37%, a R$ 5,07450, com giro de US$ 16,2 bilhões.
O movimento de apreciação do real se dá em sintonia com os ganhos de divisas de exportadores de commodities frente ao dólar, como peso chileno, peso colombiano e rand sul-africano, enquanto moedas de países do leste europeu, como o florim húngaro e o zloty polonês, perdem mais de 1%. Mais uma vez, o rublo amargou o pior desempenho, com queda superior a 7% quando o mercado brasileiro fechou. O rating da Rússia foi rebaixado pelas agências de classificação de risco Moody s e Fitch.
"Esse rebaixamento do rating da Rússia provoca uma realocação de recursos, porque muitos fundos só investem em países com determinada nota de classificação. Esse dinheiro vai para outros emergentes. Isso ajuda o câmbio por aqui", diz o economista Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos. "A migração de recursos estrangeiros para cá está forte desde o começo do ano e tende a se intensificar com a Rússia saindo do tabuleiro dos emergentes", diz Nicolas Farto, especialista da Renova Invest.
Cruz, da RB, ressalta que a Rússia também foi retirada do índice MSCI de emergentes (que reflete uma carteira teórica de ações de países), o que tem potencial de direcionar entre US$ 1,2 bilhão e US$ 2 bilhões (na conta mais otimista), para o mercado brasileiro nas próximas semanas.
Além de surfar a onda de realocação de ativos da Rússia para outros emergentes, o real tende a se beneficiar pelos problemas de oferta de commodities agrícolas e metálicas em meio à guerra na Ucrânia e às severas sanções econômicas impostas aos russos. O minério de ferro, por exemplo, fechou em alta de 5,76% no porto de Qingdao, na China.
De um lado, preços de matérias-primas mais elevados favorecem os termos de troca brasileiros, o que tende a impulsionar a entrada de divisas via exportações. De outro, jogam ainda mais lenha nas pressões inflacionárias e, por tabela, turbinam os juros locais. Isso tende a aumentar a atratividade das operações de carry trade (que exploram o diferencial de juros entre países).
Esse panorama é reforçado pela perspectiva de que o Federal Reserve adote uma postura gradualista no processo de política monetária dos Estados Unidos. Em audiência no Senado, o presidente do BC americano, Jerome Powell, repetiu hoje que o movimento de elevação dos juros nos EUA vai ser iniciado com uma alta de 0,25 ponto porcentual no encontro de política monetária deste mês (dias 15 e 16). A declaração de Powell de que o Fed "vai começar a definir o ritmo de redução do balanço" neste mês não chegou a assustar os investidores.
"A alta das commodities impacta negativamente as projeções de inflação e isso pode exigir um movimento mais acentuado de alta de juros no Brasil, mesmo com o dólar em queda", afirma Farto, da Renova Invest. "Com fertilizantes em alta pressionando a produção agrícola e petróleo subindo, a inflação tende a ser mais alta. Temos previsão de 6% desde o começo do ano. Talvez o BC não encerre o ciclo de aperto com Selic em 12,25%", diz Cruz da RB Investimentos.
Dados do Banco Central divulgados hoje à tarde mostraram que houve fluxo positivo de US$ 6,340 bilhões em fevereiro, graças, sobretudo, a uma entrada líquida de US$ 3,347 bilhões pelo canal financeiro – ou seja, para aplicações em ativos domésticos. Na semana passada (de 21 e 25 fevereiro), houve uma refluxo dos estrangeiro, com saída líquida de US$ 1,310 bilhão do lado financeiro – fenômeno atribuído a uma redução momentânea da exposição a risco diante do início da guerra.