A combinação de um ambiente externo de amplo apetite ao risco com o arrefecimento das tensões fiscais domésticas, na esteira defesa da manutenção do teto de gastos pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), abriu espaço para uma queda acentuada do dólar na sessão desta terça-feira, 24. Com renovação de mínimas ao longo da tarde, em meio à perda de fôlego extra da moeda lá fora e à desmontagem de operações defensivas por investidores locais, o dólar à vista encerrou o pregão em queda de 2,23%, a R$ 5,2622 – menor valor desde 13 de agosto (R$ R$ 5,2451).
Foi o maior tombo diário desde 31 de março (-2,31%). Por causa do recuo desta terça, a valorização acumulada do dólar em agosto foi reduzida para apenas 1%.
Como havia apanhando muito recentemente, devido aos problemas político-institucionais e fiscais domésticos, o real liderou com folga os ganhos das divisas emergentes, que avançaram em bloco na comparação com a moeda americana. O índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a seis moedas fortes – até chegou a operar entre estabilidade e ligeira alta, mas trocou de sinal ao longo da tarde e passou a trabalhar em leve queda, o que contribuiu para as mínimas do dólar no mercado doméstico.
Lá fora, a aprovação definitiva da vacina da Pfizer pelo FDA (órgão regulador norte-americano) e a notícia de que a China conseguiu conter a expansão da variante Delta do coronavírus animaram os investidores e deram fôlego extra as commodities.
Também se especula que o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), cujo discurso vinha se tornando mais duro, traga uma mensagem mais amena, quiçá no simpósio de Jackson Hole, sinalizando uma redução bem gradual dos estímulos monetários.
Na avaliação do economista-chefe do JF Trust, Eduardo Velho, o ambiente externo positivo, com forte alta das commodities, já tiraria, por si só, fôlego da moeda americana por aqui nesta terça-feira, apesar dos problemas domésticos. "Mas claramente o discurso do Lira presidente da Câmara fez o Ibovespa acelerar e o dólar cair muito mais por aqui. É muito positivo para o mercado quando um representante maior do Centrão fala de responsabilidade fiscal", afirma.
Em evento da XP Investimentos, o presidente da Câmara disse que deseja buscar uma solução para PEC dos Precatórios que respeite o teto dos gastos, amenizando temores de abandono, mesmo que informal, da âncora fiscal do País.
Lira informou também que a reforma do Imposto de Renda, vista com muita restrição pelos investidores, não será apreciada agora pela Câmara e que o relatório da reforma administrativa deve ser apresentado pelo deputado Arthur Maia (DEM-BA) nesta semana.
Mais cedo, o presidente da República, Jair Bolsonaro, reafirmou que pretende oferecer Auxílio Brasil (o novo nome do Bolsa Família) de R$ 300 a partir de novembro, quando termina o auxílio emergencial por conta da pandemia da covid-19.
O humor nas mesas de operação havia piorado muito recentemente com dúvidas sobre como conjugar o pagamento dos precatórios e o Auxílio Brasil com o respeito ao teto dos gastos. A proposta do ministério da Economia de parcelamento das dívidas judiciais e criação de um Fundo abastecido com recursos de privatizações para saldar compromissos futuros, embutida na PEC dos Precatórios, também desagrada, por supostamente abrir caminho para burlar o teto.
"Houve um otimismo do mercado com o discurso do presidente da Câmara, com aceno de comprometimento com a questão fiscal, que é o nosso calcanhar de Aquiles. Mas esse discurso ainda não traz uma solução final para o problema", afirma a economista-chefe do Banco Ourinvest, Fernanda Consorte, que não vê uma tendência de apreciação do real daqui para frente e alerta para possibilidade de novos solavancos na taxa de câmbio.
Velho, da JF Trust, também descarta, por ora, um cenário de queda persistente do dólar, que teria como primeiro suporte a faixa de R$ 5,22. "O quadro fiscal ainda é negativo. Não se sabe ainda o que vai acontecer com a PEC dos Precatórios. A reforma do IR tem problemas, mas se não for aprovada, não vai ter taxação de dividendos e isso pode prejudicar a arrecadação" afirma Velho, ressaltando que a proximidade e do fim do ano traz uma sazonalidade negativa para a taxa de câmbio, dado o aumento das remessas ao exterior.