Estadão

Dólar dispara e fecha a R$ 5,3749 com risco fiscal e exterior negativo

O dólar disparou no pregão desta quarta-feira e fechou no maior nível desde maio deste ano em meio à percepção de forte deterioração da credibilidade fiscal do governo Jair Bolsonaro, dados os riscos de abandono – mesmo que informal – do teto de gastos para compatibilizar o aumento do Bolsa Família com o pagamento de Precatórios.

Operadores não identificaram um gatilho específico para a arrancada da moeda americana nesta sexta-feira, mas citaram o mal-estar com o adiamento da reforma do Imposto de Renda na terça-feira à noite. Teme-se que o texto da reforma, que já desagradava no início, seja modificado ainda mais para satisfazer demandas de Estados e municípios, resultando, no fim, em perda de arrecadação.

O desconforto com as contas públicas fez a moeda norte-americana operar em alta firme já pela manhã, alcançando a casa de R$ 5,35. O movimento era acentuado pelo tombo das commodities no mercado internacional, diante da probabilidade de a China cortar drasticamente a produção de aço. Operadores notaram também sinais de movimentos especulativos de investidores à espera de uma intervenção do Banco Central, que acabou não acontecendo.

Houve certo alívio no meio da tarde, com o dólar passando a ser negociado no nível de R$ 5,33, na esteira da perda de força momentânea da moeda norte-americana no exterior, após a divulgação da ata do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), que foi, em um primeiro momento, bem recebida pelo mercado. Mas o caldo voltou a entornar na reta final do pregão, com a piora do ambiente externo, marcado por perdas das bolsas em NY e fortalecimento da moeda norte-americana frente à maioria das divisas emergentes e de países produtores de commodities.

Em sua ata, embora tenha repetido a avaliação de que a alta da inflação têm efeitos transitórios, o Fed confirmou que o debate sobre o início da redução de compra mensal de bônus ( tapering ) ainda neste ano, o que resultaria em diminuição da liquidez. Foi o que bastou para uma rodada mais acentuada de deterioração dos ativos domésticos. Os juros futuros acentuaram a alta, a Bolsa aprofundou as perdas e o dólar correu até a máxima de R$ 5,3774 (alta de 2,04%). A arrancada da moeda americana no fim do dia pode ter sido potencializada por zeragem de posições vendidas (que apostam na queda do dólar), com rompimento de barreiras técnicas.

No fim da sessão, o dólar era negociado a R$ 5,3749, em alta de 1,99% – o maior patamar desde de quatro de maio, quando fechou a R$ 5,4307. Com a arrancada desta quarta, o dólar já acumula alta de 3,17% em agosto. Poderia ser pior se não fosse o leve recuo de 0,20% da moeda americana na terça, na esteira do discurso duro do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, contra a inflação, que abriu as portas para apostas em alta mais acentuada da taxa Selic – o que, em tese, tende a atrair capitais para a renda fixa brasileira.

As atenções do mercado se voltam à confecção da peça orçamentária de 2022, em meio ao imbróglio envolvendo o pagamento dos Precatórios e ao desejo do presidente Jair Bolsonaro de expandir o Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil, para tentar recuperar a popularidade. Bolsonaro aparece atrás do ex-presidente Lula nas pesquisas de intenção de voto.

"O governo já não consegue ancorar mais as expectativas. O presidente perdeu muito do seu capital político e existe o risco de que ele jogue o fiscal pela janela para tentar se reeleger", afirma o head de câmbio da Acqua-Vero Investimentos, Alexandre Netto. "O cenário é de depreciação do real, apesar de os juros maiores serem bons para o carry trade. O dólar pode subir ainda mais com essa questão interna e o início do tapering pelo Fed."

Em audiência no Congresso Nacional, o secretário do Orçamento Federal, Ariosto Culau, disse que, sem o parcelamento dos precatórios, todos os programas do governo em 2022 estarão comprometidos. Culau argumentou que a PEC dos Precatórios é uma forma de manter o teto de gastos sem sacrificar programas meritórios. "Não estamos propondo que o teto seja rompido, parcelar precatórios torna a regra efetiva", afirmou.

O head de Tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt, ressalta que o real, que havia se alinhado às demais moedas emergentes anteriormente, passou a apresentar um desempenho muito pior do que seus pares, como o rand sul-africano, o peso mexicano e o rublo, o que mostra o peso de problemas locais na formação da taxa de câmbio. "Isso a depreciação do real está muito ligada ao que está acontecendo na área política e econômica. A fala do Roberto Campos presidente do BC deu uma amenizada ontem, mas o quadro piorou novamente", afirma Weig, ressaltando as dúvidas relacionadas ao Bolsa Família, à PEC dos Precatórios e à reforma tributária.

Weigt lembra que o Brasil já esteve à beira do abismo em certas ocasiões e que sempre houve um recuo por parte da classe política na direção de preservar uma racionalidade mínima na condução das contas públicas. "É difícil acreditar que vão seguir nessa linha de burlar o teto de gastos. Essa piora dos ativos domésticos faz parte da pressão do mercado para um ajuste na rota", diz o tesoureiro do Travelex, ressaltando que o nível de incerteza é hoje muito grande. "Eu geralmente tenho uma convicção da direção dos ativos, mas neste momento está muito difícil".

A consultoria Eurásia divulgou nesta quarta relatório rebaixando a trajetória de longo prazo do Brasil de neutra para negativa, com a avaliação de que a preocupação fiscal e a inflação persistente devem piorar as expectativas para o desempenho da economia em 2022. A Eurásia também afirma que as tensões institucionais devem piorar a qualidade da pauta no Congresso e que o ambiente econômico ruim enfraquece Bolsonaro, o que incentiva o presidente a tentar deslegitimar as eleições.

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