O dólar à vista emendou nesta sexta-feira, 27, o terceiro pregão consecutivo de queda, rompeu o piso de R$ 4,75 e encerrou a semana, marcada por retorno mais forte do apetite ao risco no exterior, com desvalorização de 2,79%. Uma vez mais, o mercado doméstico de câmbio acompanhou a onda de enfraquecimento global da moeda norte-americana, sobretudo em relação a divisas emergentes e de países exportadores de commodities.
À medida que se cristaliza a percepção de que o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) será comedido no ajuste da política monetária, investidores voltam as Bolsas atrás de pechinchas e reduzem posições em dólar aqui e no exterior. Esse movimento começou com a ata do Fed, na quarta-feira, continuou na quinta-feira a divulgação da segunda leitura do PIB dos EUA no primeiro trimestre e foi reforçado nesta sexta com dados de inflação e gastos ao consumo americano em abril.
O mercado parece operar a redução dos temores de uma forte desaceleração da atividade nos EUA com níveis ainda elevados de inflação, a "estagflação".
A busca ao risco é amparada pela percepção de que, a despeito do aperto das condições financeiras, a economia americana vai experimentar um pouso suave. Há apostas de que o Fed poderá promover mais duas altas de 50 pontos-base na taxa básica e, em seguida, adotar uma pausa para acompanhar os indicadores econômicos.
"O PIB dos EUA abaixo da esperado e a inflação um pouco menos pressionada corroboraram essa visão do mercado de que o Fed não vai ter que subir tanto os juros", afirma o sócio e fundador da W1 Capital Caio Tonet, ressaltando que havia um espaço para um movimento de recuperação dos ativos de risco, uma vez que as bolsas em Nova York vinham de sete semanas seguidas de baixa e o dólar havia se fortalecido muito no exterior.
Afora uma alta pontual pela manhã, atribuída por operadores a movimentos de ajustes e realização de lucros, o dólar à vista trabalhou em queda ao longo de toda a sessão. As mínimas vieram no início da tarde, em sintonia com o exterior, quando a moeda tocou o piso de R$ 4,7156. No fim do dia, o dólar recuava 0,49%, cotado a R$ 4,7382. Com isso, a moeda fecha esta semana com baixa de 2,79%, após ter perdido 3,63% na semana passada. Em maio, o dólar acumula desvalorização de 4,14%. No ano, perde 15,02%.
No exterior, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de seis divisas fortes – operou em queda, embora comedida, praticamente ao longo de todo o pregão e fechou em baixa de 0,16%, aos 101,668 pontos. Na semana, o recuo foi de 1,44%.
O índice de preços de gastos com consumo nos EUA (PCE), medida de inflação preferida pelo Fed, subiu 6,3% em abril na comparação anual, após alta de 6,6% em maio. A renda pessoal americana cresceu 0,4% em abril, pouco abaixo do esperado (0,5%). Já os gastos com consumo subiram 0,9% no mesmo intervalo, superando expectativas (+0,7%). Além disso, os gastos com consumo em março foram revisados de alta de 1,1% para 1,4%
"Os últimos dados apoiam a visão de um Fed mais dovish , o que faz com que todas as moedas emergentes se recuperem em relação ao dólar", diz o economista Homero Guizzo, da Terra Investimentos. "O fato de o Brasil ter saído na frente no ciclo de ajuste da política monetária e ter uma taxa de juros mais elevada ajuda ainda mais o real em momentos de maior apetite ao risco."
Para Tonet, da W1 Capital, a queda do dólar nesta semana não pode ser vista como uma tendência. Ele pondera que a inflação americana ainda está em níveis muito elevados e que há dúvidas se o Fed conseguirá domá-la sem levar a uma desaceleração mais forte da atividade.
"Essa história da estagflação ainda vai ser muita falada. As incertezas são grandes. Temos também a guerra na Ucrânia e esse abre e fecha da China. Não dá para saber se esse movimento de queda do dólar vai se estender", afirma Tonet, acrescentando que, do ponto de vista doméstico, em algum momento as eleições presidenciais tendem a exacerbar a volatilidade.