A cautela prevaleceu no mercado de câmbio doméstico no primeiro pregão de setembro. As tensões políticas e fiscais domésticas – aliadas à queda das commodities por questões regulatórias e dados fracos na China – impediram o real de se beneficiar do enfraquecimento global da moeda dos Estados Unidos, após números ruins do emprego privado nos EUA reforçarem a tese de que o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) será muito cuidadoso na retirada de estímulos monetários.
Depois de trabalhar majoritariamente em queda pela manhã, o dólar passou a alternar ligeiras altas e baixas ao longo da tarde e se encaminhava para fechar perto da estabilidade.
Com uma arrancada nos minutos finais da sessão, porém, acabou encerrando o dia a R$ 5,1849, alta de 0,25% – após correr entre mínima de R$ 5,1424 e máxima de R$ 5,1899.
Teria pesado no humor dos investidores a notícia, apurada pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), de que o Senado pode impor uma derrota ao governo nesta quarta-feira na votação de uma proposta que desmonta as regras que estabelecem parâmetros máximos para gastos de estatais com planos de saúde. Já aprovado na Câmara, o texto pode inviabilizar a privatização dos Correios.
Embora o ambiente externo seja favorável a divisas emergentes, players evitam apostas mais contundentes em uma nova rodada de apreciação do real, devido aos problemas locais. Além da novela dos precatórios e do reajuste do Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família) – ainda sem um desenlace apesar do envio na terça do Orçamento de 2022 ao Congresso -, há temores sobre recrudescimento das tensões político-institucionais, em meio à espera pelas manifestações de 7 de setembro.
Para o head de câmbio da Acqua-Vero Investimentos, Alexandre Netto, a performance modesta do real nesta quarta em relação a outras divisas de emergentes é natural, já que houve uma apreciação muito forte da moeda brasileira nos últimos dias de agosto. "Assim como tinha subido muito rápido, para quase R$ 5,40, o dólar caiu também rapidamente e chegou até R$ 5,11. Isso gera oportunidades para realização de lucros e correções", afirma Netto, para quem o real ainda "tende a uma depreciação", por conta da antecipação do calendário eleitoral, que aumenta a pressão sobre os gastos do governo. "Podemos ter muito investidores montando posições defensivas nos próximos dias, com as manifestações do feriado de 7 de setembro", ressalta.
Pela manhã, o resultado aquém do esperado do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre lançou dúvidas sobre o ritmo de crescimento da economia brasileira, sobretudo diante do agravamento da crise hídrica. O PIB caiu 0,1% no segundo trimestre em relação ao primeiro, desempenho bem inferior à mediana de Projeções Broadcast, de alta de 0,2%. Diversas casas reduziram nesta quarta a estimativa para o PIB e elevaram as expectativas para a inflação, tanto neste ano quando em 2022.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, minimizou o resultado do PIB e reafirmou que a economista brasileira segue recuperação em forma de V. "Hoje saiu um dado (PIB), é praticamente de lado. Como foi -0,05%, arredondou para -0,1%. Se fosse -0,04% era zero", disse, durante lançamento da agenda legislativa da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo.
Em audiência pública na Câmara dos Deputados, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto afirmou que o BC deve revisar "um pouco para baixo" sua previsão para o PIB deste ano. Campos Neto disse, porém, que a inflação está pressionada e que o instrumento do BC para domar a alta de preços é elevar a taxa de juros.
Em que pese a falta de solução para o imbróglio fiscal, o economista-chefe e sócio da JF Trust, Eduardo Velho, afirma que o "discurso ortodoxo" do presidente do BC e o fluxo cambial devem dar suporte ao real. "Estimamos continuidade da queda do dólar, ainda inferior ao suporte rompido de R$ 5,22", afirma Velho.
A economista do Banco Ourinvest Cristiane Quartaroli destaca que, mesmo com o PIB fraco, o presidente do BC manteve o discurso de que precisa seguir firme para conter o avanço da inflação. "O crescimento mais fraco não será impeditivo para novas altas da Selic nos próximos meses", afirma a economista.
Dados do Banco Central mostram que houve entrada de recursos estrangeiro no mês passado. Em agosto (até o dia 27), o fluxo cambial foi positivo em US$ 3,783 bilhões, resultado de entrada líquida de US$ 2,455 bilhões pelo canal financeiro e US$ 1,328 bilhão via comércio exterior.
No exterior, o índice DXY – que mostra a variação do dólar frente a seis divisa fortes – operou em queda durante todo o pregão. A moeda americana também cedia em bloco na comparação com as divisas emergentes, com destaque para o rand sul-africano.
Dados do relatório ADP, de emprego privado nos Estados Unidos, mostraram criação de 374 mil vagas em agosto, bem abaixo do previsto por analistas (600 mil). Esses números aumentam a expectativa para a divulgação, na sexta-feira, do relatório de emprego (payroll) de agosto. O presidente do Fed, Jerome Powell, observou em diversas ocasiões que a recuperação do mercado de trabalho é fundamental para definição do início da redução da compra mensal de títulos.
Para Velho, da JF Trust, os dados do relatório ADP tendem "a reforçar a linha dovish" do Banco Central americano. "O payroll parece não vir tão elevado, reforçando as apostas de que o Fed ainda possa adiar o tapering", afirma Velho, em nota, acrescentando que a "queda expressiva da confiança do consumidor americano também realimenta a expectativa de adiamento da redução de estímulos.