Estadão

Dólar fecha em queda de 0,46% mesmo com crise geopolítica e Fed no radar

Com relatos de fluxo de recursos estrangeiros para ativos domésticos e perspectiva cada vez maior de taxa Selic na casa de 12%, o dólar à vista recuou no mercado doméstico de câmbio na sessão desta segunda-feira, 14, a despeito de a moeda americana ter ganhado força em relação a ampla maioria de divisas fortes e emergentes. Afora uma pequena alta na primeira hora de negócios, quando tocou na máxima do dia (R$ 5,2665), a divisa trabalhou em baixa durante todo o pregão, operando em diversos momentos abaixo da linha R$ 5,20 – uma barreira técnica que, se superada em um fechamento, poderia abrir uma janela para nova rodada de apreciação do real, dizem operadores.

O rumo dos ativos hoje foi muito influenciado pelo vaivém das expectativas sobre os desdobramentos da crise geopolítica, em meio a relatos contraditórios sobre uma iminente invasão russa a Ucrânia. No fim da manhã e início da tarde, sinais de que os russos estavam dispostos a negociar com as potencias Ocidentais deram certo fôlego as bolsas em Nova York e tiraram um pouco da pressão sobre o dólar lá fora. O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, chegou a afirmar que uma saída diplomática ainda é possível. Foi quando, por aqui, a moeda registrou mínima, descendo até R$ 5,1957 (-0,89%).

O caldo voltou a entornar no exterior na reta final dos negócios no mercado local, quando uma incursão da Rússia em território ucraniano voltou a ser o cenário mais provável. O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, afirmou, em vídeo publicado no seu perfil oficial no Facebook, que foi avisado de que a Rússia atacará o país na próxima quarta-feira, dia 16. Na sequência, os mercados acionários americanos aprofundaram as perdas e o índice DXY – que mede o desempenho do dólar em relação a uma cesta de seis divisas – acelerou os ganhos e voltou a toar o patamar de 96,300 pontos.

Por aqui, o dólar diminui bastante o ritmo de queda e, após operar por certo tempo na casa de R$ 5,22, fechou a R$ 5,2185, em queda de 0,46%. Com baixa de 1,65% em fevereiro, a moeda já acumula perda de 6,41% em 2022. Entre os pares do real, o rand sul-africano e o peso mexicano também conseguiram ganhar terreno frente ao dólar, mas com desempenho inferior ao da moeda brasileira. Após o encerramento dos negócios, surgiram relatos, de um alto funcionário do governo ucraniano, de que Zelensky teria sido irônico quando se referiu ao suposto ataque russo na quarta-feira.

Mais uma vez, operadores relataram entrada de fluxo estrangeiro para ativos domésticos e citaram a taxa de juros elevada do Brasil como a principal razão para o fôlego do real. Além de atrair capitais de curto prazo para operações de carry trade, os juros domésticos encarecem o hedge e desencorajam montagens de posições compradas (que apostam na alta do dólar).

Na esteira do tom duro da ata do Copom e de declarações do diretor de política monetária do Banco Central, Bruno Serra, na semana passada, a mediana das projeções do Boletim Focus para a taxa Selic no fim deste ano passaram de 11,75% para 12,25% – refletindo a revisão de expectativa promovida por diversas casas ao longo dos últimos dias.

"Apesar de toda a incerteza com essa questão da Ucrânia e da alta dos Treasuries, o fluxo de recursos continua muito forte. O diferencial de juros é elevado. O problema é que esse capital é de curto prazo e pode sair a qualquer momento", afirma o operador Hideaki Iha, da Fair Corretora, acrescentando que exportadores e importadores mantêm uma postura cautelosa, evitando fechar grandes operações. "O dólar já caiu bastante e a visibilidade agora é muito baixa. Se a Rússia invadir a Ucrânia, o dólar pode dar uma pancada para cima".

Iha ressalta que a forte entrada de divisas acabou amenizando a transmissão das preocupações fiscais sobre a formação da taxa de câmbio. Embora pareça haver certo recuo em torno da PEC dos Combustíveis apresentada no Senado, Iha vê como certa nova onda de pressão por mais gastos públicos ou renúncia fiscal em ano eleitoral. "O cenário externo é complicado. Vai ter alta de juros nos EUA. Internamente, vamos ter a economia muito fraca e mais gastos. É difícil imaginar um dólar mito mais para baixo", diz.

O Senado pautou para a próxima quarta-feira, 16, a votação de três projetos de lei que tentam reduzir o preço dos combustíveis no País, mas a PEC do senador Carlos Fávaro (PSD-MT), apelidada de "PEC Kamikaze" pela equipe econômica, ainda não tem data para ser apreciada.

Por ora, a possibilidade de uma normalização mais rápida da política monetária americana, com altas sucessivas da taxa de juros nos EUA a partir de março não abala o real. Maior expoente da ala dura do BC americano, o presidente do Federal Reserve de St. Louis, James Bullard, voltou a defender hoje uma elevação 100 pontos-base da taxa básica até 1º de julho. Para o dirigente, a redução do balanço patrimonial do Fed – o que, na prática, significa retirada de dinheiro do sistema – deveria começar já no segundo trimestre. Monitoramento do CM Group mostra que as apostas em alta da taxa dos Fed Funds em 50 ponto-base em março voltou a ser predominante após declarações do dirigente do BC americano

O economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, vê o fluxo externo "ainda expressivo" para ativos locais como responsável pela "persistência no descolamento do mercado cambial" doméstico do comportamento do dólar no exterior. "O carry trade segue beneficiando o real frente ao dólar, com a expectativa de juro maior no curto prazo", diz Velho, ressaltando que no exterior a moeda americana avança por conta da crise geopolítica e da possibilidade de alta maior de juros pelo Federal Reserve.

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