Declarações mais duras do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, sobre a retirada de estímulos monetários à economia americana, aliadas a ajustes técnicos no mercado de câmbio doméstico, jogaram para o dólar para cima e fizeram o real amargar o pior desempenho entre as divisas emergentes nesta quarta-feira, 22.
Após oscilar entre a mínima de R$ 5,2516 e a máxima de 5,3186% (ambas registradas à tarde), o dólar à vista encerrou o pregão em alta de 0,34%, a R$ 5,3041, acumulando valorização de 2,56% em setembro. No exterior, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a seis divisas fortes – subia 0,27%, na casa dos 93,400 pontos. Mas a moeda americana recuava na comparação com a maioria das divisas de países emergentes e de exportadores de commodities, com destaque para o peso mexicano e o rand sul-africano, considerados pares do real.
O fato é que a moeda brasileira já mostrava fôlego curto pela manhã, marcada pela recuperação dos ativos de risco em meio à redução dos temores de insolvência da incorporadora chinesa Evergrande – fruto da informação de que uma de suas subsidiárias vai honrar pagamento de juros sobre bônus e de que o governo chinês pode, no limite, estatizar a empresa. Além disso, o Banco do Povo da China (PBoC) injetou US$ 120 bilhões de yuans (cerca de US$ 18,5 bilhões), garantindo fartura de liquidez no sistema.
Nas mesas de operação, avaliava-se a expectativa pela decisão de política monetária do Fed e ajustes técnicos – além da cautela com a questão fiscal mesmo diante da nova proposta para os precatórios – tiravam força da moeda brasileira.
Segundo o sócio e gestor da Galapagos Capital, Sergio Zanini, circulavam relatos de que fundos de investimento de grande porte estavam zerando posições vendidas em dólar (que apostam na queda da moeda), o que pressionava a taxa de câmbio. "Não se sabe o tamanho dessas posições, mas com a alta das commodities, seria para o dólar cair", afirma Zanini.
O real até ensaiou uma arrancada à tarde, após o tom ameno do comunicado da decisão de política monetária do Fed. Diferentemente do que parte do mercado cogitava, o BC americano não se comprometeu com uma data para a redução do volume mensal de compra de bônus (tapering), restringindo-se a afirmar que se a economia continuar a progredir como o esperado, "uma moderação no ritmo de compra de ativos pode ser necessária em breve".
Em linha com a perda de força do DXY, que passou a cair, e ao aprofundamento das perdas das demais divisas emergentes, o dólar registrou sucessivas mínimas e foi negociado momentaneamente na casa de R$ 5,25. Mas a maré virou logo em seguida, em meio à entrevista coletiva de Powell, cujas declarações foram interpretadas como mais duras que o tom do comunicado.
O presidente do BC americano disse que há consenso entre os dirigentes do Fed de que a redução da compra mensal de bônus pode começar em novembro (há até quem gostaria de que se fosse iniciado mais cedo) e ser encerrada em meados de 2022. A fala de Powell deu fôlego extra à moeda americana, com o índice DXY virando para o lado positivo, o que respingou no mercado local e fez dólar bater na máxima de R$ 5,3186. A febre altista amenizou após o presidente do BC dizer que o "tapering" será realizado de forma "muito gradual".
Na visão de Zanini, da Galapagos, a sinalização é a de que apenas dados econômicos muito ruins, como um relatório de emprego (payroll) negativo, levariam o Fed a desistir de iniciar o tapering neste ano. "Isso foi colocado de maneira incisiva. E o Fed mostra também que não foi abalado pela deterioração do sentimento dos mercados e de eventual contágio por conta da questão da Evergrande e da China", afirma Zanini, que vê possibilidade de o tapering ser encerado em julho. "Para o mercado fica agora a questão da alta de juros. Estão sinalizando que podem subir os juros ao menos uma vez no ano que vem".
Por aqui, investidores seguem monitorando a negociação da nova proposta para os precatórios, a tramitação da reforma do IR no Senado e a implantação do Auxílio Brasil, além de esperar pela decisão do Copom logo mais. Hoje, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que pretende votar a PEC dos Precatórios em um prazo de 15 a 20 dias. Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) estima um prazo entre duas e três semanas para concluir a votação da matéria. Pacheco ressaltou que a folga no teto de gastos deverá ser, em boa parte, consumida pelo Auxílio Brasil.
Em relação à reunião do Copom, a aposta majoritária é em elevação da taxa Selic em 1 ponto porcentual, para 6,25% ao ano. A grande questão é qual será o tom do comunicado do comitê, que pode indicar a extensão do atual ciclo de aperto monetário. Parte do mercado já flerta com a possibilidade de a taxa básica ultrapassar 9% e, quiçá, atingir dois dígitos.