A cautela marcou os negócios no mercado de câmbio na tarde desta sexta-feira e, uma vez mais, impediu que o real se beneficiasse da fraqueza global da moeda americana, justificada nesta sexta pelos dados fracos do emprego nos Estados Unidos, que alimentam a expectativa de que o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) será bem cuidadoso na retirada dos estímulos monetários.
Pela manhã, na esteira da divulgação do payroll (dado de emprego dos EUA), a moeda norte-americana desceu até a mínima de R$ 5,1328 (-0,93%). Aos poucos, o dólar se recuperou e passou a tarde entre estabilidade e ligeira alta. Já na última hora de negócios, a moeda americana ganhou novo impulso e marcou a máxima da dia, a R$ 5,1955 (+0,24%).
No fim da sessão, o dólar arrefeceu e era cotado a R$ 5,1845 (+0,03%). Na semana, o dólar acumula leve queda, de 0,21%.
A despeito do ambiente favorável a moedas emergentes, investidores se acautelaram e optaram por remontar posições defensivas às vésperas do feriado do Dia do Trabalho nos EUA (6 de setembro) – que deve secar a liquidez por aqui – e do Dia da Independência no Brasil (7 de setembro), marcado por manifestações a favor de Jair Bolsonaro, o que pode esquentar a temperatura da crise política institucional, se o presidente subir ainda mais o tom das críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Em Tanhaçu, na Bahia, onde foi assinar contrato de concessão de uma ferrovia, Bolsonaro disse que as manifestações de 7 de setembro serão um "ultimato" a "duas pessoas", que estariam "usando a força do poder para dar outro rumo" para o País, no que foi entendido como um recado velado aos ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.
Analistas comentam que os ruídos políticos e o desconforto com as contas públicas, que cresceu após a aprovação da reforma do Imposto de Renda pela Câmara dos Deputados, desencorajam apostas na apreciação do real. O próprio secretário especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Bruno Funchal, reconheceu que a reforma do IR leva à perda de cerca de R$ 20 bilhões em arrecadação para o Governo Central e que ainda é preciso encontrar uma solução para a questão dos precatórios e do reajuste do Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil.
Nas mesas de operação, a avaliação é que o dólar permanece abaixo de R$ 5,20 por uma conjunção de três fatores: ambiente externo favorável a divisas emergentes, fluxo cambial positivo, com exportações robustas, e a perspectiva de uma alta mais forte e prolongada da Selic, o que estimula a entrada de capitais para operações de arbitragem entre o diferencial de juros interno e externo.
Em participação no evento Finanças Mais, organizado por Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), jornal O Estado de S. Paulo e Austin Rating, o presidente do Banco Central, Roberto Campos, reconheceu nesta sexta-feira que a condução da política monetária se torna mais desafiadora por causa de choques (internos e externos), crise hídrica e ruídos políticos, mas reafirmou que a missão da autarquia é "entregar a meta de inflação".
O operador Hideaki Iha, da Fair Corretora, nota que, por ora, não há clima para montagem de posições mais contundentes tanto a favor quanto contra o real, o que explica a oscilação modesta da moeda no acumulado da semana. "Com o juro alto e fluxo, é difícil ficar muito comprado (apostar na alta do dólar). De outro lado, com essa questão política, o problema fiscal e agora a crise hídrica, é difícil a apostar no real", afirma Iha, que vê como "natural" o fato da moeda brasileira não acompanhar o desempenho positivo de outras divisas emergentes. "O dólar até cai com fluxo e o exterior, mas não consegue se sustentar em baixa porque as pessoas recompõem as posições defensivas ao longo da tarde."
Nos Estados Unidos, o payroll mostrou criação de 235 mil vagas em agosto, bem abaixo das expectativas (750 mil vagas), o que provocou um mergulho súbito do dólar no exterior. Mas logo a queda da moeda norte-americana foi moderada, com investidores digerindo informações complementares, como a alta do salário médio por hora e a queda, embora prevista, da taxa de desemprego para 5,2%. Além disso, o resultado da geração de empregos em julho foi revisada para cima, de 953 mil para 1,053 milhão.
Para a economista do Banco Ourinvest Cristiane Quartaroli, os dados do mercado de trabalho, com criação de vagas bem baixo do esperado, embaralham as apostas sobre os próximos passos do Fed em relação aos estímulos monetários. "Isso fragilizou a moeda norte americana aqui hoje cedo. Mas ao longo da tarde prevaleceu o ambiente político interno diante da proximidade das manifestações de 7 de setembro", afirma a economista, ressaltando que o giro mais reduzido também contribuiu para a leve pressão sobre o dólar no Brasil.
Não se sabe qual o impacto do avanço da variante Delta sobre a dinâmica da economia norte-americana, algo que tem sido mencionado pelo Federal Reserve, e também como será a reação dos trabalhadores americanos com o término do auxílio do governo a uma parte da população, na semana que vem. Nunca é demais lembrar que o presidente do Fed, Jerome Powell, sublinhou em diversas ocasiões que a recuperação do mercado de trabalho é essencial para o "timing" da retirada de estímulos. Não seria descabido o Fed iniciar a redução da compra mensal de títulos apenas em dezembro.
Iha, da Fair, chama a atenção para os efeitos negativos de uma eventual desaceleração da economia global, por causa da perda de fôlego tanto dos Estados Unidos quanto da China, nas divisas emergentes. "Por enquanto, essa questão de manutenção dos estímulos beneficia as moedas emergentes. Mas uma piora da economia global pode diminuir o apetite por risco e provocar uma mudança nesse quadro", afirma.