Depois de muitas idas e vindas, o dólar terminou o pregão desta terça-feira em queda no mercado doméstico, descolado do movimento global de fortalecimento da moeda norte-americana, em dia marcado por forte aversão ao risco no exterior por conta do avanço da variante Delta do coronavírus. O real, que vinha apanhando mais que outras divisas emergentes nos últimos tempos, se fortaleceu diante da perspectiva de aperto monetário forte e prolongado, ratificado no período da tarde por discurso duro do presidente do Banco Central, Roberto Campos, contra a inflação.
A trajetória da taxa de câmbio ao longo da sessão, contudo, foi cheia de solavancos – o que mostra a falta de fôlego do real para uma rodada firme de apreciação, muito por conta do ambiente político conturbado e das incertezas em relação às contas públicas.
Depois de cair pela manhã, com fluxo de recursos de exportadores e operações de arbitragem (segundo operadores), além de movimentos pontuais de realização de lucros, o dólar passou a subir no início da tarde, espelhando a aversão externa ao risco que respingava nos ativos locais. O alívio veio apenas no fim da tarde, com a fala de Campos Neto mostrando a disposição do BC em apertar a política monetária na magnitude necessária para ancorar as expectativas de inflação.
Com mínima a R$ 5,2371 e máxima a R$ 5,3036, o dólar à vista fechou o dia em queda de 0,20%, a R$ 5,2701. Apesar do respiro nesta terça, a moeda norte-americana ainda sobe 0,48% na semana e acumula valorização de 1,16% no mês.
Em evento virtual do Bradesco BBI, Campos Neto voltou a afirmar que fará "o que for preciso" para perseguir a meta de inflação, um sinal claro de rigor com a política monetária. O presidente do BC falou diretamente da questão fiscal ao mencionar que "ruídos" em relação aos impactos do novo Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil, e do pagamento de precatórios afetam as projeções de inflação para 2022, que estão acima do centro da meta (3,50%).
Para o sócio e economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, Campos Neto deu a entender que a percepção do BC sobre os desdobramentos da questão fiscal piorou em relação à reunião mais recente do Copom. "Essa piora no fiscal pode servir de gatilho até para uma aceleração da alta dos juros na próxima reunião do Copom, de 1 ponto porcentual para 1,25 ponto. Parte do mercado está precificado isso e uma Selic mais elevada no fim do ciclo, o que puxa o dólar para baixo", afirma Velho
Em tese, juros mais altos desestimulam o carregamento de apostas mais contundentes contra o real e passam a atrair recursos para operações de arbitragem de diferencial de juros interno e externo (carry trade). Taxas de juros mais elevadas também podem estimular exportadores a internalizar parte dos mais de US$ 40 bilhões que ainda estão no exterior, até mesmo para pagamento antecipado de dividendos antes da aprovação da reforma do Imposto de Renda.
Isso não assegura, porém, uma trajetória de queda do dólar daqui para frente, dizem analistas. A cautela com os problemas fiscais, diante do imbróglio dos precatórios e do desejo do presidente Jair Bolsonaro de ampliar benefícios sociais, já de olho na corrida eleitoral, mantém o mercado na defensiva e impede o real de alçar voos maiores.
Pesquisa XP/Iespe divulgada nesta terça à tarde mostra que a avaliação negativa do governo Bolsonaro atingiu o maior nível. Além disso, o ex-presidente Lula ampliou a vantagem na corrida eleitoral e teria 40% da intenções de voto em primeiro turno, contra 24% de Bolsonaro. Mais: o presidente aparece numericamente abaixo de todos os outros candidatos em um eventual segundo turno.
Segundo Velho, da JF Trust, a queda do dólar nesta terça parece uma questão pontual, em meio a uma pausa para investidores realização de lucros. "Não vejo grande fluxo de recursos para puxar o câmbio para baixo. Ainda existe muito estresse institucional e o risco fiscal permanece elevado, com essa questão dos precatórios e do Bolsa Família", afirma o economista-chefe da JF Trust, ressaltando que é preciso saber qual será a reação à eventual aprovação da reforma do Imposto de Renda, que pode ser votada na Câmara nesta terça.
Na avaliação do estrategista-chefe do grupo Laatus, Jefferson Laatus, o cenário fiscal permanece incerto e o dólar só não "estressa tanto" porque os juros estão em níveis bem atraentes para operadores de carry trade. "A única esperança do mercado hoje é o Banco Central, porque a política não ajuda e o fiscal continua assustando", afirma Laatus, que vê a queda da moeda americana nesta terça como um alívio pontual, com correção de excessos passados.