O fortalecimento global da moeda norte-americana, na esteira do forte resultado do relatório de emprego (payroll) nos EUA em julho, e os problemas domésticos (fiscais e político-institucionais) jogaram o dólar para cima na sessão desta sexta-feira, 6, a despeito da alta da Bolsa e da estabilidade dos juros futuros.
O real até figurou entre as dividas emergentes e de países exportadores que menos sofreram nesta sexta, em razão de questões técnicas. Operadores ressaltam que a moeda brasileira "apanhou" muito na quinta, o que abriu espaço para realização de lucros e diminuiu, mesmo que marginalmente, as pressões sobre a taxa de câmbio.
A sessão mais uma vez foi marcada por muita volatilidade, com trocas de sinais ao longo do pregão, sobretudo na parte da manhã e no início da tarde, em meio à divulgação de payroll e a declarações de autoridades locais.
Com mínima a R$ 5,2065 e máxima a R$ 5,2755, o dólar à vista fechou cotado a R$ 5,2363, em alta de 0,40%. Com isso, a moeda americana termina a primeira semana de agosto com valorização de 0,51%.
O mercado até que gostou da investida do Ministério da Economia contra o projeto de lei que reabre o Refis, aprovado pelo Senado e que prevê amplo alívio em dívidas de empresas e pessoas físicas. Segundo apurou o <i>Broadcast</i> (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), o ministro Paulo Guedes vai argumentar a favor de um veto presidencial, caso o projeto passe na Câmara dos Deputados. Guedes também não chancelaria a ideia de retirar os desembolsos com pagamento de precatórios, o "meteoro fiscal" citado pelo ministro, do teto de gastos.
Os temores de relaxamento fiscal, com criação de subterfúgios de tirar certos gastos sociais da regra do teto, em meio aos debates do Orçamento de 2022, elevam a incerteza e impedem que o real se beneficie da perspectiva do ciclo de aperto monetário. Ainda não se sabe ao certo como o governo vai acomodar o reajuste turbinado do Bolsa Família, pretendido por Jair Bolsonaro, e o pagamento de precatórios dentro do orçamento. Em mais uma fala vista como populista nas mesas de operação, o presidente voltou a criticar o preço dos combustíveis e disse que estuda a possibilidade de zerar o imposto federal sobre o diesel em 2022.
Para head de mesa específica para câmbio e operações PJ da Wise Investimentos, Gustavo Gomiero, os riscos fiscais e o embate em torno do voto impresso assustam os investidores e impedem que o dólar recue, a despeito dos juros mais altos e da perspectiva de andamento das reformas no Congresso. "O diferencial de juros pode trazer fluxo de entrada capital especulativo e derrubar o dólar. Tivemos boa notícia de andamento das privatizações de Correios. Mas tudo isso é deixado de lado pelas tensões políticas e fiscais", afirma Gomeiro.
Além das preocupações fiscais, também causam marolas no mercado as rusgas entre o presidente Jair Bolsonaro, que segue no ataque ao sistema eleitoral, e os ministros do STF. Na quinta, o dólar futuro disparou no fim do dia após o presidente do corte, Luiz Fux, cancelar reunião entre líderes dos Poderes, alegando que Bolsonaro não quer o diálogo. Como já era esperado, o voto impresso, bandeira do presidente, foi derrotado na quinta em comissão especial da Câmara dos Deputados, embora ainda possa ir ao plenário.
Declarações apaziguadoras do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que exortou o STF a retomar o diálogo e defendeu a lisura do sistema eleitoral, levaram a uma queda momentânea do dólar no início da tarde. Mas logo a moeda voltou a subir, insuflada pela retórica agressiva de Bolsonaro, que pode agravar a crise institucional. Em Joinville (SC), o presidente atacou novamente o ministro do STF e presidente do TSE, Luis Roberto Barroso, associando-o à pedofilia. Bolsonaro disse já ter apresentado provas de fraudes nas eleições e afirmou que só Deus o "tira daquela cadeira a presidência da República".
As declarações provocam solavancos na taxa de câmbio, com investidores aproveitando o tiroteio verbal para operações pontuais de ajustes de posições e realizações de lucros.
"A incerteza do cenário interno é muito grande. Tem essa briga entre Poderes e o temor de populismo. O Pacheco tenta apaziguar, mas vem o Bolsonaro e joga gasolina na fogueira de novo. Quando se fala do Bolsonaro, a incerteza é a única certeza", afirma Jefferson Laatus, estrategista-chefe do Grupo Laatus, ressaltando que as crescentes dúvidas no front fiscal e a preocupação com o populismo do presidente estressam o mercado. "Quanto mais se aproximam as eleições do ano que vem, mais esse quadro de incerteza tende a se agravar".
No exterior, o dia foi de ganhos generalizados do dólar, na esteira do payroll forte, com criação de 943 mil vagas em julho, acima da mediana de 900 mil de Projeções Broadcast. Além disso, a taxa de desemprego recuou de 5,9% para 5,4% (previsão era de 5,75). Esse resultado alimenta as expectativas de que o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) comece a reduzir o volume de compra mensal de títulos, atualmente em US$ 120 bilhões, antes do quarto trimestre deste ano.