Após certa oscilação pela manhã, quando chegou a operar pontualmente em baixa, o dólar se firmou em alta ao longo da tarde e encerrou os negócios nesta terça-feira, 19, acima da linha de R$ 4,65. Esse movimento se deu em sintonia com o fortalecimento global da moeda norte-americana e o avanço das taxas dos Treasuries, em meio a especulações de que o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) pode promover um ajuste monetário mais rápido e intenso. Até mesmo uma alta de 0,75 ponto da taxa básica americana (Fed Funds) em maio entrou no radar, embora de forma minoritária, na esteira de declarações da segunda-feira à noite do presidente do Fed de St. Louis, James Bullard.
O índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de seis divisas fortes – operou em alta ao longo do dia, tendo ultrapassado os 101,000 pontos na máxima. As divisas emergentes caíram em bloco, com o rand sul africano perdendo mais de 2% e o peso mexicano com queda superior a 1% – ambos considerados os dois principais pares do real.
Apesar do recrudescimento do conflito na Ucrânia, as cotações do petróleo caíram mais de 5%, com o barril do tipo Brent, referência para a Petrobras, voltando a ser negociado abaixo dos US$ 110. Commodities agrícolas e minério de ferro apresentaram leve queda, em dia em que o Fundo Monetário Internacional revisou a estimativa para o crescimento global neste ano de 4,4% para 3,6%, sobretudo em razão dos efeitos na guerra na Ucrânia. Já a projeção para o PIB brasileiro em 2022 subiu de 0,3% para 0,8%. Para 2023, contudo, a expectativa caiu de 1,6% para 1,4%.
Além do cenário externo adverso para o real, operadores também notaram um movimento de recomposição de posições cambiais defensivas, com investidores já se preparando para o feriado de Tiradentes, já que não haverá negócios na quinta-feira, 21, e a liquidez na sexta-feira, 22, tende a ser reduzida.
Com oscilação de apenas cerca de quatro centavos entre a mínima (R$ 4,6408) e a máxima (R$ 4,6857), o dólar à vista fechou a R$ 4,6682, em alta de 0,43%. A divisa ainda acumula queda de 1,95% em abril e perde 16,28% em 2022.
Para o gerente de câmbio da Treviso Corretora, Reginaldo Galhardo, o mercado de câmbio local está em um período de acomodação, com o dólar rodando em uma faixa entre R$ 4,60 e R$ 4,80, mais perto do piso ou do teto dependendo do ambiente no exterior, que hoje não foi favorável à moeda brasileira.
"Claramente, a taxa não tem força para superar R$ 4,80. Mas, como já caiu bastante e a gente vê um fluxo menor, também não recua muito mais", diz Galhardo. "Hoje, estamos vendo o dólar subir no mundo inteiro com essa expectativa pela alta de juros nos EUA. Mas mesmo que a taxa chegue a 3% por lá, o diferencial de juros a favor do Brasil vai continuar enorme".
Maior expoente dos falcões do BC norte-americano, Bullard voltou a defender uma política monetária mais dura contra a inflação e não descartou a possibilidade de uma alta da taxa básica em 0,75 ponto porcentual no encontro de política monetária do Fed em maio. Já o presidente do Fed de Chicago, Charles Evans (sem direito a voto), disse nesta terça à tarde não ver necessidade de aumento dos juros em ritmo maior que 0,50 ponto porcentual. Para Evans, mesmo com a alta dos juros, para combater uma inflação que "está muito elevada", a economia americana "deve se sair bem".
O economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, observa que a curva de juros americana já precifica taxa básica americana acima de 3% até o fim deste ano. O economista diz que o mais provável é que o Fed promova três altas seguidas dos juros em 0,50 ponto porcentual, o que aumenta as chances de que de Fed Funds acima do nível neutro (2,75%) e de taxa de juros real positiva (considerando projeção de inflação 12 meses à frente) no fim deste ano.
Segundo economista, dado esse cenário, são grandes as chances de o dólar se situar, ao longo dos próximos meses, acima da faixa entre R$ 4,64 e R$ 4,68, embora não esteja descartada a possibilidade de uma descida pontual da taxa de câmbio para o suporte estimado de R$ 4,52, em função de "fluxos pontuais do comércio exterior". "Consideramos que o movimento mais expressivo de ingressos de recursos pela conta de capital já teria ocorrido neste semestre. Seria pouco provável um câmbio inferior à R$ 4,52 de forma sustentável", afirma Velho, em relatório.
Em entrevista ao Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) e à <i>TV Record</i>, após participar de evento na US Chamber of Commerce em Washington, o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, disse que a apreciação do real se deve "principalmente ao fundamento fiscal", já que o País voltou a ter superávit primário. "A força do fundamento fiscal de um lado e o Banco Central atuante do outro, mais o aumento dos preços de commodities, estes três fatores derrubaram o câmbio. Eu não acho que isso vai se alterar."
Questionado se o dólar pode recuar ainda mais e se encaminhar para o patamar de R$ 5,50, Guedes disse que a taxa de câmbio "não vai cair de repente, mas não será mais um fator de preocupação como foi por muito tempo".