Temores renovados de uma eventual invasão russa à Ucrânia, após declarações de autoridades dos Estados Unidos e da Otan, levaram investidores a reduzir posições em ativos de risco e buscar abrigo em Treasuries e no dólar, movimento que acabou respingando no mercado doméstico de câmbio. Após três pregões consecutivos de queda, em que acumulou desvalorização de 2,18%, o dólar subiu por aqui, embora não tenha encontrado forças para se aproximar novamente do patamar de R$ 5,20. Operadores ressaltam que uma pausa para correção e realização de lucros já era esperada – e que não muda a tendência principal de fortalecimento do real. A crise ucraniana e o recuo do petróleo e do minério de ferro – este sob impacto de medidas do governo chinês – apenas serviram de gatilho para um rearranjo técnico de posições.
Com mínima de R$ 5,1284 e máxima de R$ 5,1836, o dólar à vista acabou encerrando o pregão a R$ 5,1669, em alta de 0,76%. Na semana, a moeda apresenta desvalorização de 1,44% e, em fevereiro, já perde 2,62%. Na B3, o dólar futuro para março subiu 0,60%, a R$ 5,18150, com giro de US$ 11,38 bilhões. No exterior, o DXY – que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de seis divisas fortes – operou em leve alta, ao redor dos 95,800 pontos, sobretudo por conta do enfraquecimento do euro. Entre as divisas emergentes e de exportadores de commodities, quem mais apanhou foi, por motivos óbvios, o rublo.
"Hoje, temos uma realização de lucros no mercado local com essa questão da Rússia, mas acredito que ainda há muito fluxo estrangeiro por vir e que o dólar pode testar os R$ 5 ainda este mês", afirma Rodrigo Joligi, sócio e CIO da Alphatree Capital, que não vê uma deterioração muito forte em ativos de risco mesmo em caso de uma invasão russa à Ucrânia. "Pode haver uma pressão inflacionária maior porque o petróleo tende a subir em caso de conflito, o que vai dificultar a vida do Fed (Federal Reserve, o Banco Central americano", diz Jolig.
Pela manhã, a Otan alertou que, em vez de começar a retirar suas tropas da fronteira com a Ucrânia, a Rússia estaria, na verdade, reforçando sua presença militar na região. No início da tarde, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, afirmou que não é possível ver o recuo das tropas russas. Segundo ele, ao contrário do que Moscou diz, o país deve atacar o país vizinho nos próximos dias. A mídia americana traz relatos de bombardeios por parte da Rússia no leste ucraniano.
Com as atenções voltadas às tensões geopolíticas, investidores deixaram em segundo plano indicadores fracos da economia americana (construção de novas moradias e pedidos de auxílio desemprego) e novas declarações duras do presidente do Federal Reserve de St. Louis, James Bullard, ao longo da tarde.
Bullard voltou a defender hoje aumento de 100 pontos-base na taxa de juros americana até 1º de julho, para que o Fed não entre "em apuros" caso não haja uma moderação da pressão inflacionária no segundo semestre. O dirigente do BC disse que, com a inflação "em mais de 300 pontos-base" acima da meta, o mercado pode perder a fé de que os preços irão desacelerar se o Fed não agir de forma rápida e agressiva. Para Bullard, uma boa parte do aperto monetário, contudo, "já foi precificada" pelo mercado.
Jolig, da Alphatree Capital, também vê o mercado "razoavelmente" ajustado à perspectiva de normalização da política monetária americana, o que reduz em muito a probabilidade de um tombo mais agudo dos mercados de risco. "O Bullard está tentando levar o mercado para essa precificação de 100 pontos-base nas próximas três reuniões do Fed, com uma alta de 50 pontos já no encontro de março", diz.
Por aqui, dado o tom duro do Banco Central brasileiro, o gestor trabalha com a ideia de que a taxa Selic, hoje em 10,75%, encerre o atual ciclo de aperto monetário perto dos 13%. "Isso favorece muito a busca por alocação em renda fixa. O fluxo mostra uma dinâmica muito encorajadora, que deve continuar. Os estrangeiros ficaram muito tempo fora do Brasil e agora estão voltando", afirma.
Fatores domésticos – como novos ataques do presidente Jair Bolsonaro, em viagem internacional, a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e negociações de projetos envolvendo preço de combustíveis no Congresso – foram monitorados, mas não tiveram peso relevante na formação da taxa de câmbio.