O dólar à vista emendou na sessão desta terça-feira, 5, o quarto pregão seguido de valorização e fechou em alta de 1,19%, cotado a R$ 5,3893. Na máxima, registrada pela manhã, a moeda chegou a furar o teto de R$ 5,40 ao correr até R$ 5,4040. Em apenas três pregões de julho, o dólar já acumula avanço de 2,95%, após ter subido 10,15% em junho. As perdas no ano são agora de apenas 3,35%.
Ao desconforto com o quadro fiscal doméstico, em meio à tramitação da PEC dos Benefícios na Câmara dos Deputados, somou-se hoje uma onda de aversão ao risco vinda do exterior. Dados fracos da economia europeia e relatos de novos lockdowns na China avivaram temores de recessão global. Investidores correram para se abrigar no dólar e nos títulos do Tesouro americano, cujas taxas recuaram em bloco. O retorno da T-note de 10 anos, principal ativo do mundo, caiu para a casa de 2,82% e chegou em alguns momentos a ficar abaixo do da taxa do título de 2 anos – movimento visto pelo mercado como sinal de recessão. O petróleo tipo Brent, referência para a Petrobras, fechou em queda de 9,45%, a US$ 102,77.
O índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a seis divisas fortes – superou nas máximas os 106,000 pontos, no maior patamar em 20 anos, com alta de mais de 1,5% da moeda americana frente ao euro. Divisas emergentes e de países exportadores de commodities afundaram. O real, que costuma apresentar perdas mais expressivas entre seus pares em episódios de aversão ao risco, desta vez não ficou na rabeira. Peso mexicano, peso chileno e rand sul-africano sofreram mais. O rublo russo amargou queda superior a dois dígitos.
"É claro que o ambiente doméstico também pesa com a questão fiscal. Mas o movimento hoje foi majoritariamente global. As moedas emergentes de forma geral se desvalorizam com o risco de recessão nas maiores economias do mundo", afirma a economista-chefe do Banco Ourinvest, Fernanda Consorte.
O minério de ferro negociado em Qingdao, na China, até subiu, já que fechou antes que o temor de recessão se instalasse nas mesas de operação. As demais commodities metálicas e as agrícolas derreteram. Dados positivos do setor de serviços na China em junho, embora não abranjam o efeito de novos lockdowns, e possível redução de tarifas dos EUA sobre importações chinesas deram alento ao mercado asiático e até sugeriam um ambiente de apetite ao risco.
Nada que resistisse à onda de indicadores fracos da atividade na Europa. O índice de gerente de compras (PMI, na sigla em inglês) composto da zona do euro recuou a 52 pontos em junho, menor nível desde fevereiro de 2021 e próximo da linha de 50, que separa crescimento de retração. Com atividade enfraquecida e inflação na zona do euro turbinada muito por preços de energia, o Banco Central Europeu (BCE), já atrás do Federal Reserve no processo de ajuste da política monetária, pode ser ainda mais cauteloso, o que castiga o euro.
Por ora, o mercado ainda mantém a aposta majoritária de que o BC americano anuncie neste mês mais uma elevação da taxa básica em 75 pontos-base e que os Fed Funds encerrem o ano acima de 3%. Já esquentam, contudo, as apostas em um corte de juros nos EUA mais cedo em 2023.
"A elevação dos juros americanos é inevitável. O Fed deve manter o tom duro, o que aumenta a possibilidade de recessão nos Estados Unidos", afirma André Rolha, ressaltando que esse conjunto de fatores se traduz em busca global pela moeda americana. "Mas o real também está sendo muito castigado por essa postura populista de aumentar gastos antes da eleição. Houve até um alívio com o sinal de que o texto da PEC dos Benefícios pode não ser alterado na Câmara, mas o ambiente ainda é de desconfiança".
O Broadcast Político informou à tarde que o relator da PEC dos Benefícios ou PEC Kamikaze (antes chamada de PEC dos Combustíveis), deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), cedeu à pressão do governo e desistiu de alterar o texto. Forte queria inclusão de auxílio-gasolina para motoristas de aplicativos e retirada do decretação de estado de emergência. Eventuais modificação teriam que fazer a proposta voltar ao Senado. Havia também a possibilidade de os gastos extrateto, previsto em R$ 41,25 bilhões na versão original, subissem para a casa dos R$ 50 bilhões.
"O movimento de apreciação do dólar contra o real não deve ser interrompido tão cedo. A perspectiva de piora da trajetória da dívida líquida do governo, em parte reflexo da aprovação de projetos que ampliam o risco fiscal, pressiona o dólar para cima", afirma, em nota, a economista do C6 Bank Claudia Moreno, acrescentando que a depreciação da moeda brasileira só não é mais forte por conta de fatores como a taxa Selic elevada.
Para os estrategistas do BGT Pactual, o risco fiscal e o processo de alta de juros nos EUA devem manter o real enfraquecido, mesmo após o tombo expressivo em junho. "A elevação do risco fiscal segue nos deixando menos construtivos para o real no curto prazo, que ainda deve seguir negociando consistentemente acima de R$ 5,00 nos próximos meses", afirmam os estrategistas, em relatório. "Mantemos nossa projeção para o final de 2022 para R$ 4,80, mas visualizamos um cenário pessimista em taxa mais elevada devido ao aperto das condições financeiras nos mercados globais mais rápido que o esperado".