Após uma manhã de muita volatilidade, o dólar à vista se firmou em alta ao longo da tarde desta quinta-feira, em meio a sinais de que a PEC dos Precatórios – aprovada com placar apertado na Câmara dos Deputados – pode emperrar no Senado, casa mais refratária ao presidente Jair Bolsonaro. Sem a mudança no cálculo do teto de gastos e a limitação do pagamento de despesas judiciais (os principais pontos da PEC), o governo não tem como fechar as contas de 2022 e pôr em pé o Auxílio Brasil.
Não bastassem as incertezas fiscais no front doméstico, alimentadas pelo jogo político entre Congresso e Palácio do Planalto, o real também sofreu com ventos externos desfavoráveis. O DXY – que mede o desempenho do dólar frente a seis divisas fortes – operou em forte alta, na casa dos 94,300 pontos, com dados positivos da economia dos EUA e tombo da libra após o Banco da Inglaterra (BoE) manter a taxa de juros em 0,1% ao ano. A moeda americana também deu de lavada na maioria das divisas emergentes, tendo o real apresentado, uma vez mais, as piores perdas.
Na abertura dos negócios, o dólar até esboçou ir contra a maré externa, ainda reverberando a aprovação da PEC, e desceu até a mínima de R$ 5,5637. Mas o movimento teve fôlego curto e, à medida que surgiam informações de posicionamento de partidos contrários à proposta, o dólar se fortaleceu. A máxima, a R$ 5,6276, veio já na última hora de negócios, em momento de deterioração mais aguda do Ibovespa.
No fim da sessão, a pressão compradora diminuiu e o dólar à vista encerrou em alta de 0,29%, a R$ 5,6061. A despeito do salto desta quinta, a moeda americana ainda acumula queda de 0,71% nesta semana. O volume transacionado no contrato de dólar futuro para dezembro – principal termômetro pelo apetite por negócios, foi reduzido – o que pode ter exacerbado as pressões sobre a taxa de câmbio.
Na avaliação da economista Cristiane Quartaroli, do Banco Ourinvest, a aprovação da PEC dos Precatórios na Câmara teve uma leitura mista por parte do mercado. "Por um lado, o cumprimento de uma etapa trouxe certo alívio. Por outro, o placar apertado sinaliza que as próximas votações podem ser complicadas", afirma a economista. "Por isso, a cautela com o quadro fiscal continua, o que pressiona o dólar".
A PEC foi aprovada em primeiro turno na madrugada desta quinta-feira com 312 votos, apenas quatro a mais do que o necessário – e somente após mudanças de última hora no texto. Se a proposta passar ilesa em segundo turno na Câmara e também pelo Senado, vai liberar espaço de US$ 91,6 bilhões no Orçamento de 2022, dando ao governo condições de bancar o Auxílio Brasil e outros gastos em ano de eleição presidencial.
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), disse ao Broadcast que os destaques da PEC – previstos inicialmente para serem apreciados ainda nesta quinta – serão votados na próxima terça-feira, 9. Ele afirmou que a Câmara convocará sessão na próxima segunda-feira, às 18h, "com efeito administrativo". Na prática, isso significa que parlamentar ausente pode ter o ponto cortado. "Ideia é votar demais projetos na segunda-feira e a PEC dos Precatórios na terça-feira", afirmou.
Parte da piora do dólar nesta tarde veio em meio à informação, publicada no Broadcast Político, de que a bancada do PSDB no Senado vai se reunir na terça-feira para firmar posição contrária a PEC. Mais cedo, Ciro Gomes – contrariado com o apoio de parte relevante dos deputados de seu partido, o PDT, à proposta – anunciou que sua pré-candidatura à Presidência está suspensa.
Especialista da Renova Invest, Nicolas Farto observa que a pressão de Ciro Gomes, aparentemente, faz efeitos sobre a bancada do PDT e parte dos votos favoráveis a PEC no primeiro turno pode ser revertida, o que coloca em xeque a aprovação da proposta em segundo turno na Câmara. "Se a PEC não for aprovada, será que a coisa não vai ser resolvida numa canetada, com extensão de pagamento de auxílio? Isso pode comprometer ainda mais a questão fiscal", afirma Farto, ressaltando que a incerteza limita o fluxo de recursos para o Brasil, apesar da perspectiva de altas mais fortes da Selic.
Quartaroli, do Banco Ourinvest, observa que o "imbróglio fiscal" acaba ofuscando o potencial efeito positivo sobre o real de um aumento do diferencial de juros interno e externo, na esteira da sinalização do Federal Reserve de que os juros não serão elevados tão cedo e da possibilidade de taxa Selic em dois dígitos chancelada pelo tom duro da ata do Copom. Na quarta, o Fed anunciou o início do tapering , com redução de US$ 15 bilhões na compra de títulos. O presidente da instituição, Jerome Powell, afirmou que há espaço para ser paciente com a taxa de juros. "Por mais que essas duas medidas pudessem ser positivas para o comportamento da nossa moeda, como a gente viu ontem, o imbróglio fiscal acaba predominando na formação da taxa de câmbio", afirma.