O ambiente doméstico negativo e o baixo apetite por ativos emergentes, aliados à disputa pela formação da taxa Ptax de junho pela manhã, empurraram o dólar para cima no último pregão do mês. Em alta desde o início dos negócios, quando superou os R$ 5, a moeda norte-americana perdeu um pouco de ímpeto ao longo da tarde, com o mercado mais leve tecnicamente, mas ainda assim fechou o dia em alta.
Com mínima de R$ 4,9529 e máxima de R$ 5,0227, o dólar à vista encerrou o pregão com valorização de 0,63%, a R$ 4,9732 – maior patamar desde o último dia 21. Apesar do estresse dos últimos pregões, a moeda americana fechou junho com queda de 4,82%. Foi a maior baixa desde novembro de 2020 e o terceiro mês consecutivo de desvalorização da divisa americana ante o real.
Segundo analistas, após a forte onda de apreciação em maio e junho, quando praticamente se alinhou ao desempenho das demais moedas emergentes, o real parece sem força para uma nova arrancada no curto prazo, apesar da perspectiva de mais altas da taxa Selic.
Por aqui, pesam nas mesas de operação o aumento do risco político, com as investigações da CPI da Covid sobre suposta propina na compra de vacinas, e os temores de que a crise hídrica prejudique o crescimento econômico. A comissão parlamentar aprovou nesta quarta a convocação do deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, que teria interferido a favor da aquisição da vacina indiana Covaxin, cuja proposta de compra acabou sendo cancelada. Na terça à noite, surgiu nova denúncia de suposto esquema de propina para aquisição da vacina da AstraZeneca.
O presidente Jair Bolsonaro reagiu nesta quarta e, em discurso no Mato Grosso do Sul, afirmou que "não vai ser com mentiras ou com CPI integrada por sete bandidos que vão nos tirar daqui". Bolsonaro, contudo, fez um afago ao Congresso ao dizer que os "amigos do Legislativo" têm dado "grande apoio" as propostas apresentadas pelo governo.
O economista-chefe da Integral Group, Daniel Miraglia destaca o mau humor do mercado com os ruídos políticos e o "tom populista" da proposta de reforma tributária apresentada pelo governo.
"O mercado só não piorou mais porque acredita que, do jeito que está, a reforma não vai ser aprovada", diz Miraglia, ressaltando que o ambiente político é "desafiador", com as investigações na CPI da Covid podendo estimular o governo a adotar medidas populistas, já de olho nas eleições do ano que vem. "O nosso cenário base é um dólar a R$ 5,30 no fim do ano, com todos esses riscos aqui dentro e um dólar mais forte no mundo", afirma.
Lá fora, o clima é de apreensão com o possível avanço da variante Delta do coronavírus, que ameaça se espalhar pela Europa, o que tende a fortalecer a moeda americana. O dólar subiu nesta quarta em relação à divisas emergentes e de exportadores de commodities, à exceção da lira turca e do rand sul-africano.
O índice DXY – que mede o desempenho da moeda americana em relação a seis divisas fortes – operou em alta por todo o dia. O relatório ADP, prévia do relatório de emprego (payroll) de junho, que sai na sexta-feira, mostrou que o setor privado americano criou 692 mil vagas em junho, acima das expectativas (500 mil).
O estrategista de moedas do Brown Brothers Harriman, Ian Solot, ressalta que este é o sexto dia seguido de alta do DXY, que continua a operar acima dos 92 pontos, com a perspectiva de a economia americana inicie o segundo semestre fortalecida, enquanto outros países podem ser forçados a adotar medidas de restrição caso haja avanço da variante Delta do coronavírus.
O estrategista Gautam Jain, da Ohmresearch, em Nova York, avalia que, apesar da valorização recente, o real ainda tem um desempenho ainda levemente abaixo das demais divisas emergentes, o que abriria espaço para uma apreciação adicional no curto prazo.
Ele ressalta, contudo, que a volatilidade do real costuma ser três vezes superior a de seus pares. "Em termos ajustados em relação ao risco, nós não consideramos que valha a pena apostar no real, especialmente na comparação com o peso mexicano e o chileno", afirma Jain. "Além disso, há alguns riscos pela frente", acrescenta, citando a possível antecipação do calendário eleitoral, com as investigações da CPI da Covid, e a crise hídrica.