Estadão

Dólar supera R$ 5,40 com mercado de olho em PEC e equipe de transição

O dólar à vista encerrou a sessão desta quinta-feira, 17, a primeira após a apresentação da minuta da chamada PEC da Transição ao Congresso Nacional, acima da linha de R$ 5,40, mas longe dos níveis observados pela manhã, quando chegou a superar R$ 5,50 e registrou máxima a R$ $ 5,5298 (+2,75%).

Depois de rodar entre R$ 5,44 e R$ 5,45 pela maior parte da tarde, a moeda spot renovou mínimas na reta final do pregão, quando desceu até 5,4012 (+0,36%), em meio a uma pressão vendedora no mercado futuro, que levou o contrato da divisa para dezembro a operar pontualmente em baixa. No fechamento, o dólar à vista era cotado a R$ 5,4017, em alta de 0,37%.

Segundo profissionais do mercado, após um rearranjo de posições mais forte no início dos negócios, investidores buscaram uma acomodação e promoveram ajustes para realização de lucros pela tarde. Também pode ter tirado fôlego da moeda americana a possibilidade crescente de desidratação da PEC ao longo da tramitação no Congresso.

No fim do dia, veio a notícia de que o ex-ministro Guido Mantega, de credenciais desenvolvimentistas e um dos pais da Nova Matriz Econômica no segundo governo da ex-presidente Dilma Rousseff, pediu renúncia do grupo técnico de Orçamento e Planejamento do governo de transição. Outro ponto que chamou a atenção dos operadores nos últimos minutos de negociação foi o fato de o coordenador de grupos temáticos da equipe de transição, o ex-ministro Aluizio Mercadante, ter acenado, em entrevista, com revisão de subsídios e redução de despesas.

Na PEC, o governo propôs um waiver de R$ 175 bilhões para o Bolsa Família e de cerca de R$ 23 bilhões de "receitas extraordinárias" para investimentos – levando as despesas fora do teto de gastos a R$ 198 bilhões. Mais: os R$ 105 bilhões que estavam no orçamento (dentro do teto) para dar conta do Auxílio Brasil de R$ 400 neste ano agora vão para aumento do salário mínimo e outros programas sociais. Cotado para ser relator da PEC, o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) defende que os recursos para bancar o Bolsa Família fiquem fora do teto de gastos só em 2023, segundo apurou o Broadcast Político.

O real entrou em rota ascendente nos últimos dias à medida que se consolidava a ideia de que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva está disposto a furar o teto para garantir promessas de campanha sem propor agora uma nova âncora fiscal. Do Egito, onde participa da COP27, Lula voltou a defender hoje meta de crescimento e minimizou o azedume dos mercados, que atribui à ação de especuladores. "Você tenta desmontar tudo aquilo que faz parte do social e não tira um centavo do sistema financeiro", disse Lula. "Se eu falar isso, vai cair a Bolsa, o dólar vai aumentar? Paciência."

Para a economista-chefe da CM Capital, Carla Argenta, o texto da PEC, embora apresente um waiver maior que o esperado pelo mercado, "não tem nada de absurdo" e está "em linha com a sustentabilidade do Estado" brasileiro. "É algo que, embora não seja palatável no curto prazo pelo mercado, é palatável para a economia brasileira e é necessário para a economia brasileira", disse Argenta, que vê esse período de queda dos preços dos ativos domésticos como uma correção após o rali no pós-eleições, com especulação sobre quem ocuparia o ministério da Economia.

Segundo Argenta, o mercado tem consciência de que se trata de um movimento especulativo. "E esses movimentos acontecem no superlativo, tanto para cima, quanto para baixo. Até nós termos um desenho dessa política fiscal que acontece a partir de 2024, esse período de incógnita, de esquizofrenia no mercado, tente a continuar", disse a economista.

É de se levar em conta que, pelo menos hoje, a moeda brasileira não apanhou sozinha. Tampouco amargou as piores perdas entre seus pares. O dólar subiu em relação à ampla maioria de moedas fortes e emergentes, em meio a novo tombo dos preços das commodities. Voltaram à baila temores de uma recessão nos países desenvolvidos em 2023 em razão do aperto monetário para conter a inflação.

O índice de preços ao consumidor (CPI) na zona do euro avançou 10,6% na comparação anual em outubro, novo recorde, após 9,9% em setembro. Nos EUA, o presidente do Federal Reserve de St. Louis, James Bullard, falou duro e tratou de esfriar apostas de que o BC americano, além de desacelerar o ritmo de alta dos juros para 50 pontos-base em dezembro, estaria se preparando para uma pausa no aperto monetário. (Com Cícero Cotrim)

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