Após dois pregões consecutivos de queda, o dólar voltou a subir com força no mercado doméstico, superando novamente o nível de R$ 5,45 no fechamento. O dia foi marcado por avanço das taxas dos Treasuries e fortalecimento global da moeda americana, diante da incerteza sobre o início de cortes de juros nos EUA. O real, que havia esboçado uma recuperação no fim da semana passada, voltou a amargar o pior desempenho entre as divisas emergentes mais relevantes.
Operadores afirmam que, além do quadro externo adverso, o real sofre com aumento da percepção de risco e a busca de investidores por hedge (proteção cambial), em meio a dúvidas crescentes sobre o cumprimento das metas fiscais, apesar de dados positivos de arrecadação federal em maio. Debates hoje, em Brasília, em torno de renegociação de dívidas de Estados e de medidas para compensar a desoneração da folha contribuíram para postura defensiva dos investidores.
Divulgada pela manhã, a ata do encontro do Comitê de Política Monetária (Copom) na semana passada, quando a taxa Selic foi mantida em 10,50% em decisão unânime, não conseguiu amenizar o estresse no mercado cambial. O Banco Central reforçou no comunicado a informação de que a manutenção da taxa Selic no nível atual é compatível com convergência da inflação a um nível "ao redor" da meta (3%) no horizonte relevante, que inclui 2025.
A avaliação de economistas é a de que o BC colocou uma barra alta para novo corte de juros, mas não tem no radar neste momento uma elevação da taxa, algo contemplado na curva de juros doméstica. Não se sabe se a sinalização do BC será capaz de conter a deterioração das expectativas de inflação e os temores de uma política monetária mais dovish a partir de 2025, quando a maioria do Copom será formada por diretores indicados por Lula.
Com máxima a R$ 5,4529 à tarde, o dólar à vista encerrou o pregão em alta de 1,19%, cotado a R$ 5,4544, o que leva os ganhos acumulados em junho a 3,88%. No ano, a moeda americana avança 12,38% em relação ao real.
Principal termômetro do apetite por negócios, o contrato de dólar futuro para julho apresentou giro forte, superior a US$ 17 bilhões. Segundo operadores, já teve início o movimento de rolagem de posições para a virada do mês, com players também se preparando para a disputa pela formação da última taxa Ptax de junho, na sexta-feira, 28.
Para o economista-chefe do Banco Fibra, Marco Maciel, a taxa de câmbio ainda carrega riscos de curto e longo prazo "que se sobrepõem à esperada e desejada melhora dos preços dos ativos" após a decisão unânime do Copom na semana passada.
"A elevação da incerteza está associada tanto à perda de credibilidade na condução da política monetária em 2024 e 2025 quanto à busca por uma difícil solução fiscal para a continuidade da despesa tributária gerada pela prorrogação da desoneração da folha de salários", afirma Maciel.
O economista vê a taxa Selic estacionada em 10,50% até o segundo trimestre de 2025, em razão, entre outros fatores, da permanência da taxa de câmbio "em patamares mais desvalorizados", ao redor de R$ 5,40, em julho e agosto, "devido à predominância da incerteza fiscal".
No fim da tarde, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que chegou a um acordo com o Ministério da Fazenda sobre a renegociação da dívida com os Estados. Ele também listou as medidas que vão ser adotadas para compensar as perdas com a desoneração: repatriação de recursos no exterior, atualização de ativos no Imposto de Renda, taxação de importações até US$ 50 e o projeto de lei dos jogos de azar.
Mais cedo, o governado do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), afirmou que o Estado pode ter perdas de arrecadação de R$ 5 bilhões a R$ 10 bilhões até o fim do ano, em razão das enchentes. Leite, que esteve reunido com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pediu que o governo federal auxiliasse o Estado com recursos.
O economista-chefe do PicPay, Marco Caruso, anunciou hoje uma alteração das suas projeções para a taxa de câmbio, com aumento da estimativa para o fim deste ano (de R$ 5,00 para R$ 5,30) e para 2025 (de R$ 5,10 para R$ 5,30). O economista também elevou a estimativa para o IPCA de 3,8% para 4,1%.
Caruso afirma que o ambiente externo pressiona o real, mas ressalta que fatores domésticos "têm predominado na piora do dólar", uma vez que a trajetória das contas públicas volta a trazer dúvidas.
"O país vive um momento de incerteza fiscal, com o governo reduzindo o superávit projetado para os próximos anos e começando a ver um certo limite do ajuste fiscal sendo feito pelo lado da receita", afirma. "A partir daqui, é preciso começar a pensar em cortes de despesas, e o mercado se pergunta se haverá essa disposição por parte do governo".