O número de policiais civis, militares e de membros da ativa e da reserva das Forças Armadas que se candidataram a prefeito e vice-prefeito neste ano é o dobro do que o registrado nas eleições municipais de 2016. São 388 candidatos a prefeito, contra 188 que disputaram o Executivo municipal há quatro anos, antes da eleição do presidente Jair Bolsonaro e da entrada de integrantes do Exército no governo federal.
Levando-se em conta os pustulantes a vice-prefeito e vereador, 6.723 policiais e militares vão participar do pleito deste ano em todo o País. Isso representa um aumento de 11,4% em relação às últimas eleições, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O maior aumento é entre os que se declaram "membro das Forças Armadas". Eram 123 candidatos em 2016. Em 2020, são 182. Em números absolutos, entretanto, o total é maior entre os PMs: eles eram 3.205 nas eleições passadas, agora são 3.561 (11% mais).
São candidatos como Soldado Eduardo (Patriota), PM da Grande São Paulo, que ganhou destaque após atuar no episódio conhecido como "Massacre de Suzano", quando dez pessoas morreram em uma escola. "Surgiram convites de pais de alunos, professores, munícipes. Eles viram em mim uma pessoa que poderia fazer diferença na política." Para Eduardo, Bolsonaro é uma inspiração. "O militar tem capacidade de gerir uma cidade com um olhar diferenciado por a gente estar tratando diretamente dos problemas da sociedade."
Para especialistas, esse crescimento se deve à presença de Bolsonaro na Presidência – e, consequentemente, à defesa de uma pauta conservadora com a qual parte dos PMs se identifica – e ao fortalecimento do corporativismo militar e policial. "Os Bolsonaros sempre fizeram política nas corporações", disse o cientista político Carlos Melo, do Insper.
O professor Glauco Peres da Silva, da USP, vê duas possibilidades para explicar a curva crescente de candidatos militares e policiais. "Você tem dois movimentos: pensar que, de fato, tem militares que estão tentando mudar de carreira, entrar na política. E outro grupo, de pessoas que já eram candidatas, mas não usavam essa bandeira."
O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, destacou que o discurso desses candidatos vai além da pauta da segurança e passa por uma defesa da "ordem", associada a grupos pentecostais. "Policiais estão indo além da figura da família Bolsonaro. O bolsonarismo é maior do que o Bolsonaro em si. Tem a ver com esse momento de convergência à direita, mas uma convergência a partir de um discurso de ordem."
No Estado de São Paulo, houve aumento de 45% no número de candidatos que se declararam PMs, de 444 em 2016 para 648 agora. "A PM de São Paulo é grande e muito insulada em si mesma. Agora chegou à conclusão, diante desse ambiente todo, de que, como instituição, seus representantes é que devem garantir seus interesses", disse Lima.
Para o senador Major Olímpio (PSL), que lidera um movimento de oposição ao governo João Doria (PSDB) entre os PMs, "o resultado da eleição de 2018 incentivou muitos militares a se candidatarem agora". "Em São Paulo, temos atualmente 113 vereadores (em várias cidades). Acredito que nesta eleição serão 250 os militares eleitos", afirmou. "Muitos candidatos a prefeito usaram a estratégia do (Paulo) Skaf e do Márcio França e convidaram policiais para vices."
<b>PSL</b>
O PSL, partido pelo qual Bolsonaro se elegeu, contou com 141 candidatos militares ou policiais civis em 2016. Agora, são 648, 360% de aumento. Patriota e PRTB (sigla do vice-presidente Hamilton Mourão) também tiveram aumentos acima dos 100%. Na esquerda, o PSOL havia lançado 54 em 2016 e agora chega terá 26 candidatos.
O deputado general Roberto Peternelli (PSL-SP), que coordenou candidatos militares das Forças Armadas no País em 2018, observou que "há candidatura militares em todos os partidos, do PSOL ao PSL". "A vantagem de não haver o vínculo específico é que os princípios militares não se fragmentam porque os candidatos estão em um único partido, além de aumentar as chances de êxito das candidaturas."A presença de militares em partidos de esquerda não incomodam seus pares – conhecidos por posições, no geral, conservadoras. Para eles, o que importaria é formar uma bancada da defesa e da segurança.
<b>Exército</b>
A cúpula do Exército determinou que todos os comandantes de área fiscalizem o uso de uniformes, símbolos e postos por candidatos militares a vereador, a vice-prefeito e a prefeito. Um dos casos constatados pelo comando da Força é o da tenente-coronel da ativa Andréa Firmo (Republicanos), candidata a vice-prefeito do Rio na chapa do atual prefeito, o bispo Marcelo Crivella (Republicanos).
Em duas imagens divulgadas pela campanha, Andréa aparece fardada e com a boina azul das Nações Unidas – ela comandou por um ano uma base dos observadores de paz da Minurso, em Tifariti, no Saara Ocidental. Em uma delas, ela aparece entre o prefeito e a imagem do presidente Jair Bolsonaro. Em outra, está ao lado de Crivella anunciando uma live com o prefeito e candidato à reeleição.
O <i>Estadão</i> apurou que o Comando do Exército considerou o uso da farda um "total descumprimento da norma". O regulamento da corporação e o estatuto dos militares vedam o uso de uniforme e patente em atividades civis, como é a política. Por esse motivo o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, não usa mais a patente de general ou foto fardado em suas redes sociais.
Para o Comando da Força, o uso da farda em material eleitoral é vedado. O Comando tomou providências para que isso não ocorra e adotou medidas administrativas. Emitiu, ainda, para todas os escalões orientação expressa para impedir que situações como essa, consideradas contrárias às normas do Exército, aconteçam. O caso da tenente-coronel não seria o único.
"Não se pode fazer campanha dentro dos quartéis, nem se permite o uso da farda em comícios ou caminhadas. Mas creio que uma foto para ilustrar o histórico da pessoa não é um problema", disse o deputado Roberto Peternelli (PSL-SP), que é general da reserva. Ele relatou que, após eleito, em 2018, obteve autorização do Comando do Exército para usar a farda no dia da diplomação. "Ali já não havia mais interferência no pleito."
O <i>Estadão</i> procurou a assessoria de Crivella, mas não obteve resposta. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>