Variedades

Documentário revela o berço desconhecido de um dos pilares da música brasileira

A revolução veio na força de uma única corda. Mais grave, esticada sobre todas as outras, ela deixava o braço robusto e tornava mais longas as subidas e as descidas da mão esquerda. Uma frase que antes terminava logo ali agora virava a esquina e dava a volta no quarteirão. O baixo, de extensão limitada, preso muitas vezes aos acordes, celebrava a alforria ganhando vida própria. Com sete cordões, um mesmo violão fazia as perguntas e dava as respostas, aumentando assim vocabulário e repertório. Seu mundo nunca mais seria o mesmo.

A função do sete cordas na música brasileira chegou no galope do choro de Pixinguinha, no início do século 20. Ironicamente, um saxofonista tenor desenharia o formato do contraponto que todas as ramificações de uma árvore chamada Dino Sete Cordas consagraria depois como “baixaria”. O sete fez longas caminhadas, sobreviveu à supremacia do seis cordas mesmo durante a avassaladora bossa nova e se espalhou com força por outros terrenos nos anos 2000 para viver, hoje, um de seus melhores momentos.

Apesar de servir de pilar para o surgimento do choro e do samba, o violão de sete cordas, assim como o de seis, não é brasileiro e pode ter várias origens. Uma delas, cheia de surpresas e verossimilhanças, será mostrada nesta quinta, 17, a partir das 20h, por uma série do Canal Brasil chamada Sete Vidas em Sete Cordas. Serão ao todo seis documentários com 50 minutos de duração cada um, apresentados pelo violonista Yamandú Costa, com direção de Pablo Francischelli, da produtora Doble Chapa, e bela fotografia de Rita Albano. O violão de sete, senhoras e senhores, pode ter vindo da Rússia.

O episódio desta quinta, 17, A Herança Russa, deve ser o mais surpreendente. Os outros vão mostrar a peça nas mãos de Carlinhos Sete Cordas, Rogério Caetano, Luizinho Sete Cordas, Arthur Bonilla e Valter Silva. Yamandú vai à Rússia para se deparar com descobertas que o deixam perplexo. “A história da Rússia com o violão de sete é impressionante. Eles têm uma escola viva que ninguém conhece, com um instrumento que fez uma trajetória na contramão do que vivemos aqui”, diz ao Estado.

Se no Brasil as sete cordas começaram a soar pelas bordas, na marginalidade de um choro que chegou a ter sua execução proibida por lei, só os russos de elite do século 17 eram vistos com o instrumento nas mãos. “Ele era tocado pelos czares e suas famílias”, diz Vladimir Markuchevich, um dos expoentes modernos de técnica estonteante, que se apresenta em duo com Vladimir Sumin. Dias melhores viriam no século 18, quando o violão cairia nas mãos do povo, mas ainda como um instrumento de acompanhamento – o protagonismo dos solos só viria com Sergey Orekhov, que recriaria sua linguagem.

As guerras da pré-Revolução Russa de 1917 provocaram uma onda migratória de russos e povos ciganos da região que levaram na bagagem o instrumento de sete cordas para o Brasil e Argentina. É aí que pode estar o ponto de conexão. “Há muita proximidade de linguagem dos russos com o choro e o tango também”, comenta Yamandú no especial. Se não for a conexão, diz ele, também não importa. “O violão simplesmente chega e se adapta. Não importa de onde ele vem.”

As partes em que Yamandú toca com os russos são reveladoras dos pontos em que as linguagens aparecem também tão opostas. Ao lado dos dois Vladimirs, ele explora o contraponto nos baixos, uma artimanha que deixa os russos malucos. E na casa de Anastasia Bardina, improvisa com a velocidade dos arroubos da alma. E é aí onde fica o maior abismo entre as duas escolas. Os russos jamais sacrificam a precisão de uma nota, mesmo quando movidos por uma explosão emocional. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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