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Documentário revela o problema de se filmar uma tropa de choque

E a coisa ferveu de novo no Festival de Brasília com o documentário Por Trás da Linha de Escudos, do pernambucano Marcelo Pedroso.

O cineasta, autodeclarado militante de esquerda, decidiu filmar a intimidade da Tropa de Choque do Recife. Para tal, fez não se sabe que tipo de negociação, mas, de qualquer modo, foi admitido no interior da tropa. Não apenas para entrevistar oficiais e soldados, mas até para participar de treinamentos e ações. Por exemplo, registra como os soldados treinam a resistência ao gás lacrimogêneo no intuito de “sentir a mesma coisa que os manifestantes”, segundo dizem. E acompanha a tropa no controle de uma rebelião da “Febem” do Recife, quando crianças são retiradas das celas e obrigadas a permanecer sentadas no pátio com as mãos sobre as cabeças. Cena de violência chocante, diga-se, colocada no filme sem qualquer contraponto.

O longa alterna cenas filmadas no quartel a outras, de rua, por exemplo de repressão a manifestações de rua no Recife contra a instalação de torres residenciais no Cais Estelita, da qual o próprio realizador participava. Há também inclusão de cenas das manifestações a favor do impeachment de Dilma, na Avenida Paulista, com pessoas posando para selfies com policiais da tropa de São Paulo.

Por Trás da Linha de Escudos abre e fecha com reflexões e alegorias acerca da bandeira brasileira. A bandeira, no final, tem o seu círculo central recortado e transformado em escudo pelas pessoas da equipe. O resto da bandeira é incendiado, como num ato purificador ou de rebeldia diante do status quo.

Tais providências, parece, funcionariam como uma espécie de vacina ou salvaguarda para o que se assistiu ao longo do filme. Mas são totalmente inócuas, pois, não escondem o fato de que o cineasta não soube encontrar a distância justa para filmar seus personagens e, muito menos, a instituição – que, afinal, é o braço armado do Estado, empregado na repressão a movimentos sociais, reintegrações de posse e dispersão a manifestações contestatórias.

No desejo de ganhar a simpatia da tropa, o cineasta acompanha coisas como o torneio de peteca da corporação, ouve um oficial quase chegar às lágrimas ao lembrar do avô, e uma soldada evocar a agradável sensação de adrenalina no sangue ao participar de uma ação. Tal proximidade é comprometedora e, ao “humanizar” os agentes, anula os efeitos de suas ações em nome do Estado.

Tudo somado, Por Trás da Linha de Escudos parece nada menos que um longo institucional da Polícia Militar, impressão que as alegorias inicial e final, e algumas tímidas tentativas de distanciamento, não conseguem apagar. Várias pessoas, durante o debate, expressaram sua revolta e desgosto em relação ao filme. Com toda a razão.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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