A maior tragédia ambiental do Brasil – que completa dois anos neste domingo, 5 – deixou, no rastro do mar de lama que se espalhou por 650 quilômetros entre Minas Gerais e Espírito Santo, 19 mortos, a localidade de Bento Rodrigues (em Mariana) submersa, as de Paracatu de Baixo (também em Mariana) e Gesteira (em Barra Longa) destruídas e perdas imateriais que continuam doendo em seus moradores. Desde então, as festas religiosas, as partidas de futebol descomprometidas, o bate-papo com os vizinhos e o trabalho na roça se esvaíram.
As cerca de 300 famílias desalojadas pela lama que se alastrou com o rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco, vivem agora na área urbana da Mariana, apartadas umas das outras, e enfrentam a hostilidade de muitos moradores da cidade (que ganharam novos vizinhos de uma hora para outra) e seus próprios demônios. A cena mais marcante é o distrito de Bento Rodrigues: uma localidade fantasma, com escombros e lama. Dos 19 mortos, 14 eram trabalhadores e 5, moradores locais.
Durante uma semana, a reportagem percorreu locais centrais da tragédia em Minas e no Espírito Santo e conversou com pessoas que foram diretamente atingidas pelo rompimento. Apesar do risco de desmoronamento, ex-moradores voltam periodicamente ao local.
“Eu venho quando quero e ninguém me impede. Eles (Defesa Civil) sabem que, se eu achar algo que era meu, vou pegar”, conta a agricultora Marinalva dos Santos Salgado, de 45 anos, que teve a casa soterrada e continua à procura de uma agenda que o marido deixou. “Ele viajava muito a trabalho. Estava doente, mas não me contava pelo telefone, só escrevia. Ele me deu a agenda e morreu três dias depois.”
O rompimento da barragem do Fundão em 5 de novembro de 2015 atingiu muito mais gente que os mortos e suas famílias: um total de 500 mil pessoas. Estima-se que, com o rompimento da barragem, 39,2 milhões de m³ de rejeitos de minério tenham percorrido os Rios Gualaxo do Norte, Carmo e Doce até desembocar no Oceano Atlântico. O tsunami de lama afetou diversas comunidades ribeirinhas mineiras e capixabas pelo caminho. Contaminou a água, tirou o trabalho de pescadores que dependiam dos rios para sobreviver, matou animais e plantas.
Após o rompimento da barragem, um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) assinado entre a Samarco e suas controladoras, Vale e BHP, com a União e diversas autarquias federais e estaduais, criou a Fundação Renova, responsável pela reparação dos danos decorrentes. As ações passaram a ser definidas pelo Comitê Interfederativo, que reúne também órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Agência Nacional de Água (ANA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do governo federal.
À espera
Até agora, poucos foram indenizados. Boa parte dos pagamentos – 70% a pescadores – ainda está em negociação. A Fundação entregou pouco mais de 8 mil cartões de auxílio financeiro, que é pago mensalmente, a cerca de 20 mil pessoas. O reassentamento das vilas está marcado para 2019, mas as obras nem começaram.
Dos R$ 11,1 bilhões previstos até 2030 no orçamento da Fundação, R$ 2,5 bilhões foram gastos. Além de um processo criminal contra 22 pessoas, que está paralisado por ordem judicial, há ao menos outros 74 mil em andamento, além de uma ação civil pública que reúne os atingidos em Bento Rodrigues.
A previsão de recuperação total dos estragos ambientais é 2032. Ainda não há laudos definitivos sobre todos os impactos, e os órgãos monitoram a área afetada para verificar se os peixes estão ou não aptos para o consumo humano e como a quantidade de espécies foi impactada. Os estudos, de acordo com a Renova, devem ser finalizados até o início do ano que vem e compartilhados com os órgãos ambientais.
A Renova cercou 511 nascentes na Bacia do Rio Doce e promete recuperar em dez anos, conforme prazo fixado pelo TTAC, 5 mil nascentes. Ainda há o debate sobre o que será feito com os rejeitos. Na barragem, esse material tinha areia e argila. Depois do rompimento, isso se juntou a solo, sedimento, árvores e o que mais estava no fundo do rio – o que dificulta a destinação dessa mistura.
Após dois anos, ainda há muitas perguntas sem respostas, dúvidas e muito por fazer. Enquanto isso, a mineradora Samarco quer retomar suas operações. Com atividades paralisadas, a empresa tenta provar às autoridades que é capaz de atuar em segurança. Hoje, sobrevive de aportes de suas controladoras, que já destinaram à empresa US$ 430 milhões (cerca de R$ 1,41 bilhão). Antes da tragédia, a Samarco empregava cerca de 6 mil funcionários. Hoje, são 1,8 mil, sendo que 800 estão com o contrato suspenso. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.