A doleira Nelma Kodama e o seu ex-namorado, o advogado Rowles Magalhães, eram a "alta cúpula da organização criminosa" que fazia parte de um esquema de tráfico internacional de cocaína estabelecido entre Brasil e Portugal desarticulado na terça-feira, 19, pela Polícia Federal, após um ano e dois meses de investigação. Ainda segundo o delegado responsável pelo caso, Adair Gregório, os dois presos "passavam a imagem, na sociedade, de terem uma atividade lícita e bem-sucedida".
A PF deflagrou, no início da manhã desta terça-feira, uma operação que teve como alvo o tráfico internacional de cocaína. A cidade de Salvador era uma rota obrigatória. No aeroporto da capital baiana, pousavam aviões acondicionados com droga em São Paulo que voavam para Portugal. O grupo criminoso teria feito, pelo menos, cinco viagens entre os continentes.
Batizada de "Descobrimento", a operação expediu 43 mandados de busca e apreensão a serem cumpridos em cinco Estados brasileiros. Sete pessoas foram presas preventivamente em São Paulo, Mato Grosso e Pernambuco. Outras duas pessoas foram detidas em Portugal. Entre elas, está a doleira Nelma Kodama, encontrada em um hotel de Lisboa.
Em 2014, Nelma já havia sido presa, no âmbito da extinta operação Lava Jato, com 200 mil euros escondidos na calcinha, em Milão, na Itália. Ex-namorado de Nelma, o advogado Rowles Magalhães foi preso em São Paulo.
A defesa dos dois, feita pelo advogado Adib Abdouni, afirmou ao Estadão que a prisão do ex-casal se "baseia na necessidade de que os dois se mantenham em cárcere, porque viajam frequentemente ao exterior, mas que a princípio, não há elementos para a manutenção da prisão, que pode ser substituída por medidas diversas". Nelma deve ser extraditada para o Brasil, mas ainda não há data para que isso ocorra.
De acordo com a PF, o grupo criminoso era formado por doleiros, fornecedores de cocaína, mecânicos de aviação, transportadores responsáveis pelos voos e pessoas que abriam a fuselagem das aeronaves para esconder o entorpecente. As investigações para frear o tráfico internacional de drogas tiveram início em fevereiro do ano passado, quando policiais identificaram a presença de 595 quilos de cocaína escondidos em diferentes partes da fuselagem de uma aeronave. Naquela manhã, o avião apresentou panes elétricas depois de pousar em Salvador, vindo de Jundiaí, em São Paulo. O jatinho seguiria voo para Portugal em seguida.
Depois da pane, a Polícia Federal localizou os quilos de entorpecente que provocaram o problema elétrico, segundo Adair Gregório. A empresa portuguesa de táxi aéreo proprietária do avião, não é relacionada, até o momento, ao esquema de tráfico internacional de drogas. O piloto da aeronave chegou a ser ouvido pela polícia, mas nenhum vínculo entre ele e a cocaína alocada na fuselagem foi encontrada.
<b>Tráfico continuou depois da apreensão</b>
As investigações apontam que a responsável direta pela droga era uma facção criminosa paulista – o nome não é compartilhado pela PF. Mas o delegado Adair Gregório suspeita que haja envolvimento de outras facções brasileiras, pois a droga apreendida em fevereiro de 2021, em Salvador, estava prensada com "várias logomarcas".
"Existem alguns casos em que as drogas são exclusivas de uma facção e outros casos em que há um consórcio de pessoas que contratam a aeronave para levar a droga", afirmou o delegado.
A aeronave onde os policiais identificaram os quase 600 quilos de cocaína, um jato executivo Dessault Falcon 900, já tinha despertado a suspeita da PF em um voo que teve escala em Fortaleza, em 2020. "Ela chegou a ser abordada, mas não foi localizada a cocaína", conta Adair Gregório. A pane elétrica identificada no jatinho foi fundamental para o desmonte do grupo criminoso.
Os criminosos teriam realizado, pelo menos, cinco viagens entre Europa e Brasil para fazer o transporte de drogas antes da apreensão da PF no Aeroporto Internacional de Salvador. A capital foi escolhida como rota, afirma Gregório, pela localização territorial. "É onde os aviões costumam parar para reabastecer. Mas eles não permaneciam na Bahia por longos períodos", afirmou.
No Estado, os policiais bateram à porta de um doleiro que atuava em Vitória da Conquista. As investigações o identificaram como um dos responsáveis pela movimentação financeira do grupo. Ele seria a pessoa indicada por pagar os voos que partiam de São Paulo com destino à Europa. A PF não informou quantos e quais materiais foram apreendidos na casa dele.
A PF teve apoio, ao longo das apurações, do Ministério Público Federal (MPF), da Agência de Combate às Drogas dos Estados Unidos e da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes da Polícia Judiciária de Portugal.
<b>Ex-secretário de Estado de Mato Grosso é preso</b>
O ex-secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação de Mato Grosso e também ex-prefeito de Glória DOeste, região de fronteira com a Bolívia por Mato Grosso, Nilton Borgatto, também foi preso na manhã desta terça-feira, 19, na operação "Descobrimento" da Polícia Federal. Segundo a PF, ele era uma peça curinga dentro da estrutura da quadrilha internacional.
Borgatto também era peça importante no cenário político no Estado. Antes de ser eleito prefeito por dois mandatos, ele foi secretário municipal em Porto Esperidião (2001/2008) também na região de fronteira da Bolívia. Entre 2017/2019, foi assessor especial do então vice-governador Carlos Fávaro.
Em março deste ano ele foi um dos secretários de Estado que se desincompatibilizou do cargo para disputar as eleições de outubro. E, desde então, já se declarava pré-candidato a deputado federal.
O PSD soltou nota informando que vai aguardar as investigações. O diretório do partido informa que: "tomou conhecimento das medidas judiciais contra o ex-secretário Nilton Borgato na manhã desta terça-feira (19), através da imprensa". Ainda segundo a nota, o "PSD vai aguardar o desenrolar das investigações, respeitando o direito de ampla defesa, assegurado pela Constituição Federal, antes de tomar qualquer decisão". O governador Mauro Mendes não quis comentar a prisão.
Borgatto foi preso em seu apartamento, num prédio de luxo na região central de Cuiabá. Foi ouvido no inquérito da PF e levado para exame de corpo de delito. Em seguida foi para o Centro de Custódia da capital onde aguardará audiência.
No apartamento, a polícia encontrou R$ 29,3 mil, US$ 4 mil e diamantes acondicionados em saquinhos zip lock, debaixo do colchão da cama.
O advogado de defesa do ex-secretário, Luiz Derze, afirmou que fará um estudo completo do processo para identificar qual medida judicial irá adotar. "Pode ser um habeas corpus ou um pedido de revogação da prisão", disse ele, acrescentando que "qualquer encaminhamentos que possa adotar será depois de uma análise com calma".