O cardeal dom Odilo Pedro Scherer, de 62 anos, arcebispo de São Paulo desde abril de 2007, publicou nos jornais, recentemente, o artigo O Menino, o rei e o bom velhinho em que faz críticas ao consumismo neste período de Natal, onde Papai Noel é alvo das suas críticas.
"Natal tornou-se a festa de Papai Noel. E o Menino Jesus, onde ficou? Não era dele a festa? Será que o ‘bom velhinho – Hô! Hô! Hô! -, na sua pachorra, vai conseguindo o que Herodes não conseguiu com sua ira: eliminar o menino da cena?", argumenta o religioso no artigo.
Nesta entrevista, dom Odilo falou sobre as mudanças que ocorreram desde que ele se ordenou sacerdote há 35 anos, explicou a evasão de católicos da igreja e ainda opinou sobre o casamento gay, enfatizando que nada justifica a violência contra os homossexuais.
Sobre a política, fez questão de dizer que tem pedido aos padres que se abstenham de fazer política partidária e deixou, por meio da Revista Free São Paulo, sua mensagem de Natal aos paulistanos.
– Está mais difícil evangelizar hoje que há 35 anos?
DOM ODILO – Cada época tem suas dificuldades. O mundo mudou nestes 35 anos e eu também amadureci. Mas a missão do padre continua a mesma. Grande desafio para o trabalho da Igreja é a menor atenção dada pelas pessoas à palavra da Igreja e à religião. Há muitas "opções religiosas"; isso é normal num país onde há liberdade religiosa, mas isso acarreta o risco de uma superficialidade maior. As propostas tendem a entrar na lógica do mercado consumista onde se busca a vantagem ou bem imediato; isso me parece uma desvirtuação, que está comprometida com a verdade, o bem e a justiça. Há superficialidade e falta de clareza no mundo religioso contemporâneo.
– A Igreja Católica tem perdido seus fiéis nos últimos 10 anos? Como reverter isso?
DOM ODILO – A Igreja Católica está ganhando cerca de 35 mil novos fiéis a cada dia. Parece que se tornou ideia fixa dizer que a Igreja está perdendo fiéis. Houve uma evasão de católicos, não praticantes, para outros grupos, ou que deixaram de se reconhecer como católicos. Mas esta tendência parece ter parado. Temos mais católicos frequentando a Igreja do que no passado. É preciso considerar que no Brasil, tradicionalmente, os católicos "praticantes" nunca passaram de 20%. Por outro lado, um fator importante é a queda forte da natalidade nas últimas duas décadas; temos menos da metade dos batizados do que tínhamos nos anos 80. Isso porque nascem menos crianças ou os pais deixam de batizá-las.
– Até que ponto a decisão do STF de garantir a união homoafetiva e chamá-la de família o incomoda?
DOM ODILO – São Paulo é uma cidade imensa e nela vivem pessoas de muitas convicções. O respeito às pessoas e suas convicções não significa que se compartilham e aceitam todas as suas convicções; a liberdade de pensamento continua valendo. A união entre dois homens ou duas mulheres não constitui um casamento, nem dá origem a uma família, e nem tem as condições de cumprir o papel social e antropológico de uma verdadeira família. Para a moral católica, trata-se de uma união contrária à natureza e à lei de Deus. Esta convicção não justifica qualquer tipo de violência contra pessoas que assumem uma posição diversa daquilo que a Igreja Católica afirma e ensina.
– 2012 será mais um ano de eleição. Qual o papel político da Igreja neste período junto aos seus fiéis?
DOM ODILO – O papel não é apenas no período eleitoral; em todas as ocasiões, ela orienta seus fiéis a escolherem conscientemente aqueles que deverão cuidar da promoção do bem comum e da vida digna para todos. A Igreja não faz opção por um partido e pede que seus padres se abstenham de fazer política partidária; eles são servidores de todos e não apenas daqueles de um partido.
– O povo se afastou dos verdadeiros ideais do Natal?
DOM ODILO – Isso é fácil de ser constatado; o Natal se tornou uma grande ocasião para o consumismo e a referência a Jesus Cristo nem aparece mais. No entanto, o Natal comemora o nascimento de Jesus Cristo e não a festa de um personagem criado pela fantasia. Isso é lamentável, até mesmo do ponto de vista cultural; afinal, Jesus Cristo é um personagem da história e o Cristianismo, que tem nele sua origem, não é qualquer coisa de insignificante para a humanidade. Por que, então, esconder e camuflar com uma fantasia a referência a Ele, justamente na festa que lembra seu nascimento?
– Esta situação foi o motivo de a Arquidiocese lançar a campanha "Presépios de São Paulo"?
DOM ODILO – A campanha é uma maneira de tentar resgatar os verdadeiros valores do Natal. Incentivo todos a participarem desta campanha. Basta enviar a foto do seu presépio para o e-mail [email protected] e ele será publicado numa galeria de imagens do site da Arquidiocese de São Paulo (arquidiocesedesaopaulo.org.br).
– Qual mensagem o senhor deixa?
DOM ODILO – O Natal é uma boa notícia para todos: Deus assume a nossa condição humana e vem estar conosco. Não estamos sós e abandonados a nós mesmos. Deus valoriza o homem e lhe dá uma altíssima dignidade; vamos nos valorizar reciprocamente e respeitar essa dignidade nos outros. O Natal é a festa da fraternidade universal da humanidade; é um tempo de intensa solidariedade, de sentimentos e iniciativas saudáveis, de paz, beleza e alegria. Tenham todos um feliz Natal de Jesus Cristo!