Uma entrega sob encomenda não seria tão justa. João Donato, 80 anos, prodigioso pianista que esboçou a bossa nova antes mesmo que ela existisse, fez tudo o que fez de melhor sempre com algum acento caribenho temperando suas inspirações.
Chucho Valdés, 73 anos, natural de Quivicán, Cuba, liderou a jazzificação da música cubana moderna nos anos 80 à frente do Irakere (por onde passaram o trompetista Arturo Sandoval e o saxofonista Paquito DRivera) fazendo tudo o que fez de melhor sempre com alguma harmonia brasileira martelando suas ideias. Um dia, esses dois tinham que se encontrar.
Chucho e Donato, que haviam criado um envolvimento em 2008 e, depois, durante a produção do DVD Nasci Para Bailar, do brasileiro, estarão juntos de fato, no palco, por três noites, desta quinta, 26, até domingo, 29, no palco do Sesc Belenzinho (com ingressos ainda disponíveis para os três dias, segundo a assessoria de imprensa do evento). Farão, enfim, o projeto que batizaram de Conexão Brasil-Cuba, usando o grupo formado pelo baterista Robertinho Silva (por anos como músico de Milton Nascimento), o baixista Luiz Alves, o saxofonista Ricardo Pontes e o percussionista Frank Colon. A lista de músicas faz o trabalho de, naturalmente, levar e trazer a plateia para os dois lados do projeto. Do Brasil, Bananeira e Emoriô (as duas, frutos da parceria Donato – Gilberto Gil) e Aquarela do Brasil (de Ary Barroso). Do lado cubano, temas de Chucho e estandartes vermelhos como Guantanamera (poema do herói nacional José Martí musicado por Josito Fernandez) e a mexicana Besame Mucho (de Consuelo Velásquez).
A ligação entre Donato e Chucho tem um outro nome. Bebo Valdés, pai de Chucho, morto em 2013 com 94 anos, foi um dos pianistas cubanos mais escutados pelo brasileiro quando ele ainda definia sua identidade. O filho Chucho o ouvia, naturalmente, e dele herdou mais do que o sobrenome. A forma de martelar as teclas nos agudos de maneira pronunciada, o fraseado com explosões repentinas de improvisos e a proximidade dos elementos afro-cubanos com ele, o jazz, chegaram já no berço.
O jazz
A pergunta por telefone a Chucho, que nessa quarta, 25, à tarde passava o som no teatro do Sesc Belenzinho com Donato, é sobre essa migração histórica e quase inevitável feita ao gênero norte-americano. Por que, afinal, os maiores instrumentistas brasileiros e cubanos, mesmo provendo do universo de possibilidades que suas culturas proporcionam, deságuam sempre no jazz? A resposta de Chucho Valdés é a seguinte: “Por causa do ritmo. Veja, temos em Cuba o que chamamos de ritmos afro-cubanos, assim como os brasileiros contam com as sonoridades afro-americanas. Somos povos com mais ritmo do que os próprio norte-americanos. Veja a quantidade de instrumentos de percussão que usamos. Os americanos só têm a bateria. E o Brasil, com a riqueza que vocês herdaram dos negros e dos índios, é o lugar com a maior riqueza do mundo. E a riqueza dessas culturas, se encontrando com as harmonias do jazz norte-americano, se encaixa com perfeição. Acabamos criando um triângulo com Brasil, Cuba e Estados Unidos em cada ponta”. Não é exatamente uma resposta direta, mas o caminho de seu pensamento pode ser o da proposta. Os americanos formataram primeiro uma música que partia da liberdade, algo que cubanos e brasileiros adotariam como necessidade para seus surtos criativos.
O formato do jazz, que já seduzia Bebo nos anos 40, é o que prevalece quando o duo se encontra, mesmo para tocar músicas mais tradicionais. E tudo para Chucho começou quando seu pai, que trabalhou por anos na casa de espetáculos Tropicana, ainda hoje em atividade e a mais tradicional de Havana, levou uma companhia de músicos brasileiros para tocarem obras de Ary Barroso. Chucho estava na casa, era uma criança, mas recorda. “Foi incrível, eles fizeram Aquarela do Brasil e Tico Tico no Fubá. Foi meu primeiro contato com a música brasileira do qual eu nunca mais me esqueci.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.