Já há quem sonhe com carruagens puxadas por imponentes cavalos brancos levando e trazendo gente do Largo do Arouche ao Teatro Municipal, na região central de São Paulo. “Vamos transformar o lugar em uma promenade paulistana”, anda dizendo o prefeito eleito João Doria (PSDB), com uma pronúncia acentuada, fruto de quem passou uma temporada, na juventude, vivendo em Paris.
A degradada praça, oficializada em 1953 como um mercado de flores de inspiração francesa – atualmente, são seis boxes cujos permissionários pagam cerca de R$ 1 mil por mês à Prefeitura -, deve receber um banho de loja da futura administração municipal. Desde que foi eleito, Doria já fez duas reuniões com o cônsul-geral da França em São Paulo, Brieuc Pont, que se comprometeu a intermediar patrocínios com empresas francesas estabelecidas na cidade. “Há uma história antiga de cooperação cultural entre a França e o Brasil”, ressalta Pont.
“Um vereador nos disse que se Doria cumprir 30% do que quer para esta região, teremos um Arouche como nunca se viu. Haverá até carruagens de passeio”, conta Marcos Alexandre, proprietário da loja de flores mais antiga do local. “Desde setembro de 2015, pedimos melhorias para a Prefeitura.”
O futuro secretário de Cultura, André Sturm, sabe das intenções do futuro chefe. Mas, precavido, prefere ressaltar que ainda não há “detalhes do projeto”, que precisa ser melhor “desenhado”. Ventila-se, entretanto, que o grande marco dessa transformação do Arouche será visto na Virada Cultural, quando o local deve abrigar quiosques de gastronomia francesa e apresentações culturais que evoquem o país europeu.
Ao que parece, a referência à “promenade” tem mais a ver com a Promenade Chandon, evento que, com alguns hiatos, ocorreu em São Paulo do fim dos anos 1990 ao início da atual década, do que com a Promenade Plantée, o parque linear suspenso de 4,7 quilômetros inaugurado em 1993 no 12.º arrondissement de Paris. A versão promovida por aqui pela marca de bebidas consistia em interdição de cinco quadras da badalada Oscar Freire, eventos culturais abertos ao público ao ar livre, e acesso às lojas de grife mediante cobiçados convites.
Doria entende do assunto. Em 2011, o empresário organizou um evento semelhante na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, nos Jardins – com direito a um tapete vermelho estendido por 1 km. Era o Avant Gabriel, que se repetiria nos dois anos seguintes, assumidamente inspirado na Promenade.
Brega. Na Virada Cultural, a maratona cultural criada em 2005 em São Paulo – inspirada, aliás, na parisiense La Nuite Blanche -, o Largo do Arouche acabou se tornando reduto dos chamados artistas bregas. Ali já se apresentaram Sidney Magal, Perla, Agnaldo Rayol, Cauby Peixoto e Falcão. O embate, então, é um tanto geográfico. Nos planos do prefeito eleito, esse tipo de brega vai ter de dar lugar a outro: sua Promenade.
“Acharia uma pena. Cantar ali foi mágico: meus fãs se misturaram aos moradores de rua, os maiores boêmios da região. E se é para afrancesar, que deixe o brega: nossas roupas extravagantes são inspiradas na França”, diz Falcão, para emendar com uma frase que, vinda dele, só pode ser interpretada como elogio. “Quer algo mais brega do que o próprio João Doria?”
O Estado consultou sete dirigentes e assessores culturais para saber sobre as implicações de tal mudança. “O Largo do Arouche com esta programação já se tornou tradição da Virada Cultural. Não vejo sentido em terminar com esse tipo de palco ou transferi-lo para outro lugar, se já dá tão certo. A diversidade do público chama a atenção”, diz Antonio Carlos Sartini, ex-diretor do Museu da Língua Portuguesa e no meio cultural desde 1987. “Mas só espero que em um evento francês não seja servido espumante, o que é um pouco brega, mas o legítimo champanhe.”
À frente da Virada de 2005 a 2015, José Mauro Gnaspini, por outro lado, acredita que mudanças de rumo são “normais” em um evento deste porte. “Certamente, seria executável esse plano”, diz.
Presidente da Associação dos Lojistas dos Jardins – entidade parceira da Promenade Chandon – e ex-conselheira do Turismo da França no Brasil, a empresária e socialite Rosangela Lyra concorda. “Talvez a primeira edição seja mais difícil e haja uma resistência. Mas com tempo tende a dar certo”, afirma.
Leo Henry, proprietário do restaurante francês La Casserole, avalia que melhorias são bem-vindas, mas ressalta que o Arouche é importante tal como é. “Vivemos um movimento de redescoberta dos valores do centro.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.