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Dorina – Olhar para o Mundo estreia na TV paga

Lina Chamie é a primeira a admitir que Dorina – Olhar para o Mundo não possui a liberdade investigativa de seu belo documentário anterior sobre a São Silvestre. Mas ela não se sente, por isso, menos autora da obra que nasceu de uma encomenda. A atriz Martha Nowill, de Os Amigos, queria fazer um filme sobre sua avó. Uma ficção. Lina, sua amiga, convenceu-a de que a ficção seria complicada – um filme caro, de época. Um documentário seria adequado, além de não inviabilizar que, no futuro, surgisse a ficção. Foi assim que nasceu o filme
Dorina – Olhar para o Mundo começou a passar na TV paga em 21 de junho. Até o fim de julho, você pode acessá-lo de graça na plataforma digital www.hbogo.com.br, buscando o link para filmes. Dorina aparece em primeiro, até como referência social da empresa. Até aí, tudo bem. Martha Nowill queria fazer um filme sobre sua avó, a HBO encampou o projeto por sua dupla e talvez tripla dimensão, humana e social, mas também artística, porque, afinal, Lina Chamie é uma grande diretora, com grandes filmes no currículo, e o maior de todos é São Silvestre, que não é exatamente um filme sobre a corrida, mas no qual cabem a disputa esportiva, o Brasil e até o cinema.

Tudo isso é verdadeiro, mas não responde ao básico – por que um filme sobre Dorina Nowill? Em português cru, porque ela era f… Na falta de uma definição melhor, ou mais fina, a palavra vem espontânea quando Martha, logo no começo, conta como descobriu a importância da avó. Dorina Nowill (1919-2010) talvez tivesse o destino de outras garotas do seu tempo. De boa família paulista, é impossível prever qual teria sido seu futuro. Mas aí, de repente, num dia de 1936, a garota de 17 anos percebeu que uma cortina de sangue tapava sua visão. Ficou cega. Outra talvez considerasse sua vida acabada. Não Dorina. Ela foi à luta.

Numa época em que não existia ensino especializado para cegos, ela cursou a escola normal. Formou-se professora. Foi educadora a vida toda. Defendia que o cego precisava ter acesso à cultura e à informação. Amava o teatro, o cinema e os livros. Criou uma editora, difundiu o braile no Brasil. Foi reconhecida no País e no exterior. Para uma humanista de carteirinha como Lina Chamie – não existe radicalidade maior que o humanismo, ela gosta de dizer -, uma guerreira como Dorina é estimulante. Para dar conta de sua personagem – da encomenda -, ela recorreu, veja só, a Abbas Kiarostami.

“Mesmo que o filme não seja ficção, a Martha queria estar nele. Inspirei-me no Close-Up do Kiarostami, que é um grande filme. E, embora sem me permitir muita ousadia na elaboração audiovisual e narrativa, acho que o filme ousa, sim, e é no desenho do som.” Um filme sobre a cegueira tem de valorizar o som. A propósito, Dorina nunca teve medo da palavra. Nesses tempos de politicamente correto, ela se define como cega e chega a dizer que qualquer outra definição carrega um componente nocivo de condescendência. A vida inteira Dorina lamentou que não tenha podido ver Broadway Melody. Teria sido seu último filme antes da cegueira. Lina incorpora as imagens. Usa uma cena inteira de O Milagre de Anne Sullivan, o clássico de Arthur Penn sobre como uma professora, interpretada por Anne Bancroft, arrancou garota cega e surda das trevas da ignorância. A cena não é só educativa. Alcança a transcendência, que é o que move Lina Chamie. No limite, Dorina é, sim, um filme autoral.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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