Alua Arthur ganha a vida cuidando da morte. Pode parecer contraditório, mas a ganesa radicada nos Estados Unidos é uma doula da morte, ou seja, ela auxilia quem está lidando com a situação da perda a planejar o fim da própria vida. Sua função é ajudar quem está vivendo os últimos dias a encarar a própria extinção de uma maneira mais saudável, e também ensinar as pessoas ao redor a enfrentar o luto.
A formação de advogada faz com que ela cuide tanto das questões íntimas, como amarrar as pontas soltas emocionais, quanto das questões práticas. Alua é criadora do Going with Grace, uma empresa dedicada a esse suporte especializado, além de oferecer cursos para quem pretende se tornar também uma doula da morte.
Alua é uma das atrações da 3ª edição do Festival InFinito, que ocorre em formato virtual nos dias 3 e 4 de outubro. O evento trata das diversas facetas do viver e do morrer, contando com a participação de nomes bastante díspares entre si. Além de Alua Arthur, o escritor Andrew Solomon, autor de O Demônio do Meio-Dia, um dos principais livros sobre depressão escritos nos últimos anos; o médico paliativista BJ Miller; e até o quadrinista Mauricio de Sousa estarão presentes de maneira digital para debater temas a respeito da vida e da finitude.
"É importante que nós tentemos trazer de volta o tema da morte para nossa cultura, afinal ela é parte da vida", afirma Alua Arthur, em entrevista ao <b>Estadão</b>. Ela explica que a tentativa de esconder esse assunto traz sérias consequências para a sociedade: "Isso faz as pessoas que estão lidando com o luto se sentirem isoladas e com que sejamos pegos de surpresa quando acontece conosco".
A pandemia dificultou seu trabalho como doula da morte, com as restrições aos atendimentos presenciais. "Não posso mais abraçar as pessoas, mas ainda posso explicar para elas o que está acontecendo e as ajudar a lidar com esse momento", lamenta Alua.
Apesar disso, o surto de covid-19 pelo mundo parece ter trazido o tema da morte à tona. "O interesse no curso de doula da morte aumentou dramaticamente, o que é muito sintomático para mim", acredita ela. "Todos os dias nós ouvimos sobre a contagem de mortos, quantas pessoas estão infectadas, vemos histórias de pessoas morrendo sozinhas. É hora de repensar a morte."
Alua mora nos Estados Unidos, mas nasceu em Gana, na África, e afirma que há uma diferença enorme entre a forma como ambas as sociedades encaram o tema. "A forma como lidamos com a morte é ditada pela nossa cultura. De onde eu venho, nós respeitamos muito as pessoas mais velhas e olhamos para a mortalidade de uma forma muito diferente."
Ainda de acordo com ela, a espiritualidade não garante que as pessoas saibam lidar com a própria finitude. Curiosamente, ela revela que as pessoas que menos questionam as próprias crenças são as que não têm uma religião. "Algumas pessoas religiosas mantêm sua fé até o fim, mas muitas começam a ter dúvidas. Nós as ajudamos a enfrentar isso."
Para ela, não há idade para começar a se pensar a respeito da morte. "Pessoas jovens também morrem às vezes, e se isso não acontecer elas se tornam pessoas velhas que um dia vão morrer."
Além disso, fingir para as crianças que a morte não existe, como a cultura contemporânea faz com frequência, é extremamente prejudicial, segundo Alua. "As crianças veem muita morte nos filmes, cadáveres voando por toda a parte, e pensam que a morte é algo repugnante. Mas não é dessa maneira que as pessoas morrem na vida real. A maioria de nós pega alguma doença, se vai aos poucos, não em uma explosão espetacular."
Alua Arthur é um dos destaques do Festival InFinito neste sábado, 3, com uma masterclass sobre sua profissão de doula da morte às 11h35, e a participação em um debate com sua contraparte, a doula do nascimento Ana Mateoli, às 12h35.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>