Os recibos de depósitos (DRs, na sigla em inglês) com lastro em debêntures e letras financeiras, autorizados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) no final de setembro, não devem inicialmente trazer novos emissores para o mercado, e a provável volatilidade do dólar pode oferecer um desafio adicional ao instrumento. Mesmo assim, para profissionais com conhecimento e experiência em Depositary Receipts, isso não tira o brilho da iniciativa do governo brasileiro de criar mais um instrumento para captação de recursos no exterior, e alguns arriscam dizer que a primeira emissão acontecerá já no ano que vem.
O sócio do Pinheiro Neto Advogados e especialista em Direito Bancário, Financeiro e Cambial, Ricardo Simões Russo, diz que algumas empresas de maior porte já estão se movimentando para emitir DRs com lastro em debêntures, incluindo as com benefício fiscal. Russo explica que a resolução que permitiu que os DRs pudessem ter como lastro outros ativos mobiliários, além de ações, abriu para a renda fixa um novo rol de investidores estrangeiros, entre os quais aqueles com restrição de mandato para investir diretamente no Brasil, ou até mesmo, os que não queiram passar pela burocracia de ter que abrir uma conta no País para estarem aptos a comprar esses títulos.
“De um universo de 100 potenciais investidores entre locais e estrangeiros interessados em dívida local de renda fixa, hoje se atinge 70 deles. Com os DRs, os emissores terão a oportunidade de alcançar 100% deles, incluindo o universo de investidores que estão lá fora”, diz.
O co-responsável pela área de emissão de dívida do Citi no Brasil, Eduardo Freitas, acrescenta que o instrumento vai atender um grande número de empresas que não querem captar em moeda estrangeira e pode ainda contribuir para a liquidez do mercado doméstico. “O instrumento não canibaliza o mercado local, ao contrário, traz mais um player para ele”, observa. Esse investidor, segundo ele, é o que quer, além do risco da empresa ou banco, colocar em sua carteira o risco cambial.
Freitas argumenta que nos países onde os DRs de renda fixa existem, os estrangeiros vendem o ativo no país de origem quando querem desmontar o recibo e que não há um mercado offshore desses papéis. De acordo com ele, alguns países latino-americanos inclusive emitiram títulos soberanos para fomentar a liquidez do mercado local e ajudar, em última instância, a financiar a dívida pública local. No caso brasileiro, os DRs devem atender “um número razoável de empresas que preferem captar em reais por conta do custo do swap (de troca de moeda)”, observa. “O Tesouro não precisa do instrumento, porque o mercado local de títulos soberanos brasileiro é bem líquido e desenvolvido”, observa.
Freitas acredita que os DRs de renda fixa devem funcionar bem quando com lastro em debêntures incentivadas enquadradas no artigo 1 da lei 12.431, das debêntures de infraestrutura. O artigo prevê que as debêntures deem incentivo fiscal, de não pagamento de Imposto de Renda, ao investidor estrangeiro, enquanto os recursos podem ser utilizados para qualquer tipo de investimento, não exclusivamente para projetos de infraestrutura dos setores considerados prioritários pelo governo. “Esses papéis têm a vantagem de não competirem com os títulos públicos, que são isentos de Imposto de Renda para o estrangeiro”, diz.
O responsável pela área de DR para a América Latina no BNY Mellon, Nuno da Silva, considera que o instrumento coloca o Brasil à frente de outros países na busca de acesso ao capital global. “Em um momento em que a luta pelo capital tende a aumentar, foi uma medida louvável e pertinente”, afirmou. Ele lembra que os fluxos de investimento globalmente devem mudar em direção aos Estados Unidos, na esteira da recuperação daquela economia e da reversão da política monetária norte-americana de juro zero. “Mas é preciso ter mercado local forte”, diz. Ou seja, é ainda “um pouco prematuro para saber qual vai ser o resultado” da iniciativa, segundo ele, dado que o mercado é novo e precisa criar precedente.
Freitas, do Citi, afirma que alguns requisitos básicos são exigidos para que a operação obtenha sucesso, como o das ofertas serem grandes, em torno de R$ 1 bilhão no total, garantindo a percepção ao estrangeiro de um potencial de liquidez no mercado secundário. Ao mesmo tempo, é desejável que os emissores tenham as melhores classificações de risco.
O executivo do Citi argumenta também que o momento atual não parece ser totalmente apropriado para a oferta ao estrangeiro de título com risco cambial. Ele também não aposta em qualquer operação no atual ambiente de apreciação do dólar e desvalorização das demais moedas mundiais. “Não é o melhor momento para comprar ativo em moeda local. Há tendência global de desvalorização das moedas. É preciso que os mercado externo se acomode”, diz.
Independente do contexto macroeconômico local e global, a indicação dada pelos profissionais é de que os DRs devem ser emitidas basicamente por empresas ou bancos já conhecidos do investidor estrangeiro e com elevada necessidade de capital. Por conta disso, Russo, da Pinheiro Neto, diz que existem sugestões para que também as empresas menores consigam alcançar esses investidores.
A resolução do CMN limita essas ofertas às empresas com registro de companhia aberta, de categoria B, autorizadas a negociar em mercados regulamentados valores mobiliários que não sejam ações. “Agora o mercado está pleiteando uma forma de dar o acesso para as empresas de menor porte, em emissões apenas para o investidor qualificado, por exemplo. Poderia se criar uma categoria C, com menos requisitos”, afirma Russo.
A perspectiva de concentração nos habituais emissores do mercado externo pode também colocar as DRs de renda fixa em desvantagem em relação ao tradicional mercado de bonds. Para o sócio do Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados, Joaquim Oliveira, a emissão de recibos de depósitos lastreados em outros ativos que não ações carrega dois gargalos. “É mais complexo para o emissor brasileiro, portanto, não é favorável para um estreante, e concorre com instrumentos de dívida tradicionais no exterior (bonds)”, diz. “Acho o espaço pequeno para o desenvolvimento desse mercado”, acrescenta.
Os custos aos quais Oliveira se refere estão relacionados à estrutura da emissão, que exige esforço de venda entre investidores locais e internacionais, além da contratação de custodiante e de uma instituição no exterior emissora dos recibos e documentação em inglês. Do lado do investidor, Oliveira diz que como os DRs estarão lastreados em instrumentos de dívida, portanto, não padronizados, exigirão do investidor compreensão da legislação local e do próprio instrumento. “Acho que é uma oportunidade, não deixa de ser uma outra opção, mas o movimento vai ser lento e dependerá de um trabalho próximo aos investidores estrangeiros”, prevê.
Excluindo as emissões soberanas feitas pelo México, Peru, República Dominicana, Costa Rica, Colômbia e Chile, a experiência com lastro em crédito privado mais conhecida é a da petroleira mexicana Pemex. A companhia estatal fez duas operações, a primeira em 2011, num total de 10 bilhões de pesos, sendo 7 bilhões em recibos de depósito. Os papéis oferecem remuneração de 7,65% ao ano e vencem em 2021. Em 2013, a Pemex fez uma segunda operação de 10,4 bilhões de pesos em títulos de vencimento em 2024, dos quais 1,075 bilhão de pesos em recibos. Esses títulos pagam juro de 7,19% ao ano.
Os Depositary Receipts, que são também conhecidos internacionalmente por Global Depositary Notes (GDN), replicam em termos de juro, vencimento e rating de crédito um título de valor mobiliário denominado na moeda local, mas que pagam juro e principal em dólares. De acordo com o anúncio do Banco Central, a medida deve entrar em vigor só a partir de 2 de março do ano que vem. Até lá, a autoridade monetária e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) terão que regulamentar a resolução do CMN, que é resultado de uma consulta pública aberta no início do deste ano.